As Fenícias, de Eurípedes

A reimpressão de junho de 2008 da peça de teatro As Fenícias acrescenta mais detalhes e vigor a trágica história da família de Édipo. Eurípedes dá uma versão alternativa ao fim de Jocasta em Édipo Rei: aqui, ela sobrevive à descoberta que é esposa de seu filho. Passa a ter um papel fundamental na tentativa de reconciliar os seus dois filhos homens, prestes a iniciarem uma batalha sangrenta pelo trono. É o lado feminino e maternal da história. É Os Sete contra Tebas com história, não apenas a narração de qual general atacará qual portão.

Eurípedes (485-406 a.C.) é chamado de “filósofo do teatro”, por ter sido amigo de Sócrates e discípulo de Anaxágoras de Clazômenas, e deixado transparecer em suas peças questões filosóficas, psicológicas e políticas da época. Eurípedes não fez sucesso em vida, pois os seus personagens foram classificados como muito prolixos e com análises psicológicas profundas. Além de Eurípedes, também Sófocles e Ésquilo narraram outras partes da saga da família maldita de Édipo. De Sófocles e Ésquilo sobreviveram apenas sete peças de cada, mas de Eurípedes foram dezoito a chegarem aos nossos dias: Alceste, Medéia, Hipólito, Andrômaca, Hécuba, As Suplicantes, As Troianas, Electra, Ifigênia em Táurida, Helena, Íon, Héracles, Bacantes, As Fenícias, A Heracléade, Orestes e O Ciclope.

O apelo aos sentimentos fraternais e os argumentos lógicos ou filosóficos são claros a cada diálogo de As Fenícias. Creonte prefere ver Tebas cair ao invés do filho, mas Menelau está disposto a morrer por um bem maior, pelos outros, pelo país. Jocasta apela aos sentimentos dos filhos, sofre ao ver o ódio mortal no coração de ambos. Polinice exige justiça e quer que o irmão cumpra a sua parte no acordo, deixando o trono por um ano ou repartindo o quinhão do reino que pertence a ele. Etéocles acusa Polinice de marchar com um exército estrangeiro contra a própria pátria, tornando-se um traidor, e que como soberano não pode entregar o seu país de mãos beijadas a um exército estrangeiro. Donald Schüler explica:
Ao pedido de justiça do irmão, Etéocles reage com uma tese sofística: justiça é a vontade do mais forte, argumento usado por atenienses durante a guerra do Peloponeso e discutido por Platão na República. Decisões políticas e teses filosóficas sobem ao palco. Etéocles acusa o adversário de ter conduzido contra a pátria um exército de estrangeiros. Mundo dividido e inconciliável. Polinice e Etéocles negam um ao outro que cultivam como próprio, ambição e poder. Visto no outro, o próprio torna-se impróprio, estranho, ameaçador. O que se desdobrou e objetivou no outro é irreconciliável.” (pg. 21)
Segue a lista dos principais personagens da trama com um breve resumo de seus papéis:

Jocasta – mãe e esposa de Édipo, graças ao seu primeiro marido, Laio, não ter dado ouvidos às advertências de Apolo para não ter filhos. Aqui, ela tenta persuadir os dois filhos que teve com Édipo a selarem um acordo de paz ao invés de guerrearem entre si pelo trono. Ao saber que ambos pereceram pela espada do outro, suicida-se.

Édipo – é citado em toda a peça, mas aparece só no final quando os filhos e a esposa já estão mortos. Até então vivia cego e enclausurado no palácio. A maldição que lançara sobre os filhos por o terem aprisionado se cumpriu: ambos morreriam brigando pelo poder. Creonte, o seu cunhado, o bane de Tebas junto com Antígona.

Antígona – filha de Édipo e Jocasta, e irmã de Etéocles e Polinice. É também noiva de Menelau, filho de Creonte. É ela quem sobe em uma torre alta para ver os generais do exército de Polinice atacarem os sete portões de Tebas. No final, tenta argumentar com Creonte para não banir o seu pai e que deixe enterrar Polinice.

Creonte – irmão de Jocasta e pai de Menelau. Tenta convencer, em vão, o filho a não sacrificar-se ao deus Ares, conforme predito por Tirésias como a única salvação para Tebas. Assume o trono assim que Etéocles, Polinice e Jocasta morrem. Sua primeira lei é proclamar a pena de morte para aquele que enterrasse Polinice, pois graças a este traidor o seu filho morrera. Bane Édipo e Antígona de Tebas.

Menelau – filho de Creonte e noivo de Antígona. Quando fica sabendo por meio de Tirésias que somente o seu sacrifício ao deus Ares garantirá a vitória de Tebas, dá a sua vida para salvar a pátria.

Etéocles – filho de Édipo e Jocasta. Temendo a maldição de Édipo, faz um acordo com o irmão Polinice, onde cada um reinaria por um ano alternadamente enquanto o outro viveria no exterior. Ao final do primeiro ano, Etéocles não quis entregar o trono ao irmão, forçando o irmão a lutar contra ele. Mata o irmão em batalha e é morto por ele.

Polinice – filho de Édipo e Jocasta, banido por Etéocles. No estrangeiro, casa-se e faz alianças com outros reis, conseguindo reunir um grande exército para ajudar-lhe a retomar o trono. Depois dos ataques infrutíferos contra Tebas, em um combate com o irmão, mata-o e é morto por ele.

Tirésias – adivinho cego que é consultado por Creonte e diz qual a única solução para garantir a vitória tebana: oferecer o filho Menelau como sacrifício ao deus Ares.

A melhor seqüência de leitura dos livros que narram a tragédia da família de Édipo seria:

1º - Édipo Rei (escrito em 430 a.C.), de Sófocles;
2º - Édipo em Colono (401 a.C.), de Sófocles;
3º - Os Sete contra Tebas (467 a.C.), de Ésquilo;
4º - As Fenícias (411 a.C.), de Eurípedes;
5º - Antígona (442 a.C.), de Sófocles;

A tradução do grego e a introdução de Donaldo Schüler são perfeitas. As obras traduzidas diretamente das línguas originais tendem a perder menos a essência e por ser uma tradução atual (de 2005) não aparecem palavras em português arcaico. A introdução “A eclosão do irracional no teatro de Eurípedes” dá uma visão geral dos principais livros de Eurípedes, alguns como complementos de sagas históricas, como das Ilíadas, de Hércules e de Jasão.

leitura: Agosto de 2008
obra: As Fenícias (Phoiníssai) de Eurípedes
tradução e introdução: Donaldo Schüler
edição: 1ª, Coleção L&PM Pocket - L&PM (2008), 101 pgs
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Excelente

Leitura adicional:
As Fenícias - Wikipédia, a enciclopédia livre

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