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Mostrando postagens de fevereiro, 2008

Schopenhauer

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Sobre Traduções: Todas as traduções são necessariamente imperfeitas, pois as expressões características, marcantes e significativas de uma língua não podem ser transpostas para outra. Sobre Escrita: Deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço de leitura. É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela. Só produz o que é digno de ser escrito quem escreve unicamente em função do assunto tratado. A condição deplorável da literatura atual tem sua raiz no fato de os livros serem escritos para se ganhar dinheiro. Também se pode dizer que há três tipos de autores: em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem pensar. Escrevem a partir da memória, de reminiscências, ou diretamente a partir de livros alheios. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam enquanto e

O monge e os cães

O velho monge assistia imóvel a cena. Dois cães brigando pelo pedaço de pão. Um deles, o maior, levava alguma vantagem sobre o outro que, apesar de mais maltratado pela vida, era bom de briga. Latidos, grunhidos, uivos e rosnados acompanhavam a dança em que ora um estava por cima ora outro. O maior atacava o pescoço do outro que desviava sempre a tempo. O menor arreganhava os caninos e fazia muito mais barulho que o necessário. Em certo momento da batalha, ambos descuidaram-se do pão e um menino maltrapilho passou ligeiro e o levou consigo. O cães pararam de brigar, sentaram-se e olharam um para o outro. E o monge apenas sorriu.

O Anjo da Morte

Era o primeiro dia na nova classe após a transferência de outra faculdade. Entrou na sala de aula cujo número estava anotado em um pedaço de papel. Sentia-se meio perdido, pois todos pareciam enturmados e com muitos assuntos para colocar em dia. Percebeu alguns olhares curiosos e cochichos “Quem será ele?” e “Será aluno do matutino?”, nada mais. Apesar da população da sala ir aumentando, com colegas cientes de quais carteiras ocupar, ninguém puxou conversa além duns cumprimentos monossilábicos e desinteressados. O sinal tocou. Involuntariamente, o fluxo de pessoas atingiu o ápice final e logo depois o professor entrou com aquele sorriso que só os que vêm de um longo período de férias conseguem ostentar. Após uma breve apresentação pessoal e curricular, passou a explicar a grade semestral da matéria. O novato acompanhava razoavelmente as orientações do mestre, até a hora em que ela entrou. A partir daí não viu mais nada além dela. Não viu que somente ele parou de anotar, de ouvir, de re

Quando sua biblioteca te surpreende

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Hoje me peguei surpreso com minha própria biblioteca. Achei pérolas nela que desconhecia. Explico: Costumo comprar coleções inteiras por causa de 3 ou 4 livros quando o valor destes comprados separadamente equivale ao da coleção. Já adquiri duas assim: a Coleção Biblioteca Folha e a Grandes Escritores da Atualidade da Planeta Deagostini. Como geralmente após ler os tais 3 ou 4 livros que motivaram a compra volto à minha lista normal de leituras, muitos títulos/autores ficam esquecidos. Apesar de minha biblioteca evoluir basicamente sob a minha tutela, meus gostos literários também evoluem com o tempo, estes sob a tutela sabe-se lá de quem. Isso significa que a cada nova olhada na minha biblioteca encontro boas surpresas, como a de hoje. Descobri alguns livros dos quais tenho lido muito a respeito ultimamente ou observado bons comentários. Os que pularam em meus braços quando tirei um tempinho para ficar parado em frente a minha estante foram: Reparação , de Ian McEwan, por causa do fi

Ser goiano, de José Mendonça Teles

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Ser goiano é carregar uma tristeza telúrica num coração aberto de sorrisos. É ser dócil e falante, impetuoso e tímido. É dar uma galinha para não entrar na briga e um nelore para sair dela. É amar o passado, a história, as tradições, sem desprezar o moderno. É ter latifúndio e viver simplório, comer pequi, guariroba, galinhada e feijoada, e não estar nem aí para os pratos de fora. Ser goiano é saber perder um pedaço de terras para Minas, mas não perder o direito de dizer também uai, este negócio, este trem, quando as palavras se atropelam no caminho da imaginação. O goiano da gema vive na cidade com um carro-de-boi cantando na memória. Acredita na panela cheia, mesmo quando a refeição se resume em abobrinha e quiabo. Lê poemas de Cora Coralina e sente-se na eterna juventude. Ser goiano é saber cantar música caipira e conversar com Beethoven, Chopin, Tchaikovsky e Carlos Gomes. É acreditar no sertão como um ser tão próximo, tão dentro da alma. É carregar um eterno monjolo no coração e

Evolução pelo tédio

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Morte em Veneza, de Thomas Mann

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Thomas Mann (1875-1955) foi um escritor alemão (filho de brasileira) reconhecido como um dos grandes romancistas do século XX. Ganhou em 1929 o Prêmio Nobel de Literatura pelo livro Os Buddenbrooks , onde narrava sobre três gerações de uma família em decadência. Apesar de homossexual, casou-se em 1905 e teve seis filhos. Reprimindo seus sentimentos afetivos, acabou exteriorizando em seus livros o que a sociedade da época não lhe permitia. A Morte em Veneza é um dos livros em que esse sentimento de Thomas Mann é visível. Publicado em 1912, A Morte em Veneza conta a estória do escritor alemão Gustav von Aschenbach, que vai passar férias em Veneza. Lá, apaixona-se platonicamente pelo jovem polonês Tadzio, de 14 anos, e passa os dias a admirá-lo. O livro praticamente traz considerações de Aschenbach sobre as dicotômicas beleza natural do jovem e a arte da escrita tão arduamente trabalhada por ele. Ou sobre juventude e velhice, sabedoria e ignorância, saúde e doença. " Não estava e

A lei e a moral

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Ontem, na faculdade, surgiu um debate muito interessante questionando se a Lei Penal deveria regular a moral da população. Isso porque parece ser consenso entre os políticos brasileiros considerar o Código Penal como a base da ordem na sociedade ao invés da Constituição Federal. Basicamente foram debatidos os artigos 233 e 234 do Código Penal que tratam do ultraje público ao pudor. Nada mais polêmico e inútil do que tais artigos, que dizem: Ato obsceno Art. 233. Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Escrito ou objeto obsceno Art. 234. Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem: I - vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos obje

5 maneiras originais de narrar

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Algumas vezes somos surpreendidos não somente pela história que nos é contada, mas também pela forma, pelo modo ou jeito que nos é repassada. Tal arte, a de contar a história de um modo original, pode salvar a história em si, que talvez de outro modo fosse algo banal, desinteressante. 1. Filme O Suspeito (Rendition, 2007) - Duas estórias são contadas paralelamente, a do pai e da filha, e somente no final descobrimos que o lapso temporal das duas não é o mesmo, mas uma é o início da outra. Não sei se esta técnica funcionaria em um livro. As dicotomias certo/errado, burocracia/caráter, inocente/culpado são bem perceptíveis para demonstrar pontos de vista antagônicos. 2. Livro Morte em Veneza (Thomas Mann, 1912) - O personagem principal, Gustav von Aschenbach, é escritor e um pouco de sua personalidade é apresentada ao leitor analisando os livros que ele escreveu. 3. Filme Amnésia (Memento, 2001) - Escreva uma trama policial simples, corte em pedaços (dias) e re-ordene as cenas inversa

Quando Nietzsche Chorou (When Nietzsche Wept), 2007

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Se a verdade vem através da descrença e do ceticismo, e não de um desejo infantil de que algo fosse de determinado modo. Um desejo de estar nas mãos de Deus não é verdade. É um desejo infantil pelo mamilo eternamente intumescido. Temos a teoria da evolução. A teoria da evolução mostra cientificamente a redundância de Deus, embora o próprio Darwin não tivesse coragem de seguir seus indícios até sua verdadeira conclusão. Então, aonde isso nos leva? Certamente vocês se dão conta que criamos Deus e todos nós, juntos, o matamos. Deus está morto. É meu dever estar livre de deveres. Após a morte de Buda, a sombra dele foi mostrada por séculos em cavernas, uma horrível sombra. Considerando o hábito das pessoas deve haver cavernas há milhares de anos onde a sombra de Deus é mostrada. Subjuguem a sombra no interior de vocês! A melancolia não é uma doença, é parte da minha natureza. Só estou grávido. Aqui dentro. Minhas dores de cabeça são as dores do parto de meu novo livro. Tento dizer em 10 fr

O Homem que Desafiou o Diabo, 2007

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Ouça o que vou lhe dizer: Vida longa eu não alcanço Na orgia ou no prazer Mas enquanto eu não morrer Bebo, fumo, jogo e danço Me censure quem quiser Enquanto vida eu tiver Cumprindo essa sina venho E além dos vícios que tenho Sou perdido por mulher. [...] O meu nome é Lombroso torado no grosso E eu sou que ném a cascavel, quando não aleja mata Tenho a maldade da onça, tenho a ruindade que arrasta Minha baba é peçonhenta e arde mais que a brasa Tá vendo essa cacunda? É por onde sou mais forte Carrego nas minhas costas 132 mortes Vá me dizendo seu nome, pronde vai e donde vem E se já viu nesse mundo um camarada mais feio. ... O meu nome é Ojuara, eu vim de longe e vou em frente E o senhor não é mais feio que certo tipo de gente Feio é herança do homem, herança de Caim, Praga de mão ofendida, tentação do Coisa-ruim, Feio é aquela sombra escura que vai levando consigo o covarde que traiu a confiança do amigo A beleza e a feiúra tão junta em toda parte Há beleza inté na morte e feiúra inté

Goethe

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Pensar é fácil. Agir é difícil. Agir conforme o que pensamos, isso ainda o é mais. O pudor e a beleza não caminham lado a lado e jamais os vereis passar de mão dadas pelos caminhos da Terra. Nunca estamos mais longe de nossos sonhos do que quando imaginamos possuir o que desejamos. O que em nós mesmos nutrimos cresce: esta é uma lei eterna da natureza. Uma vida ociosa é uma morte antecipada. A vida é a infância da imortalidade. A alegria não está nas coisas, está em nós. Nada revela tanto o caráter de uma pessoa quanto as coisas que a fazem rir. Sempre temos tempo suficiente se dele fazemos bom uso. Com o conhecimento nossas dúvidas aumentam. Existe gênio, poder e mágica na audácia. Todas as coisas são metáforas. Não há coisa mais prejudicial a uma nova verdade que um velho erro. Digno de liberdade é só quem sabe conquistá-la todos os dias. A juventude é a embriaguez sem vinho. Todos querem ser senhores e ninguém é senhor de si próprio. Vive quem ousadamente vive. Só é digno da vida aq