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Mostrando postagens de julho, 2010

Sublimação

O movimento no pequeno café na esquina revelava que mais um dia de trabalho estava começando. Manhã de quinta-feira. Dos clientes que por ali passavam apressados, destoava a imagem semi-estática de três mulheres sentadas na mesma mesa, alheias ao mundo ao redor. Os seus movimentos eram lentos, quase premeditados. Os olhares pouco se cruzavam, mas mesmo assim diziam muito, como em um encontro de telepatas ou de velhas conhecidas. Alguém que não tivesse atrasado para o serviço e pudesse observá-las por um tempo poderia afirmar que não, elas não faziam parte da decoração. A primeira mulher, loira, com cerca de trinta e cinco anos, mas que a maquiagem carregada fazia parecer mais nova, usava um sobretudo bege e um lenço de seda no pescoço que lembrava uma onça pintada que não destoavam do leve frio matinal. Era a mais velha das três, embora a sua postura a habilitasse a competir de igual com as outras duas. A quantidade de jóias que usava faria qualquer um pensar que era rica. Olhava par

Editora Impetus

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A Editora Impetus, utilizando um trecho do texto Escritores Sem Fronteiras que escrevi em homenagem ao Dia do Escritor, em 2008, enviou a imagem abaixo por email para todos os escritores do seu catálogo. Não preciso nem falar que achei a composição toda de muito bom gosto. Olha só as fontes. As imagens. As cores. E presta atenção no texto que maravilha...

Pós Dia do Amigo

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Ontem foi o Dia do Amigo. Isso mudou muito a minha vida. Bah, é mentira. Eu poderia ter escrito esse texto ontem - até economizaria um pós no título - mas sou sempre do contra quando todos resolvem ir em uma direção sem pensar porque vão para lá. Talvez, se ninguém estivesse falando do Dia do Amigo e se não fosse mais um modismo empurrado pela mídia eu teria escrito esse texto ontem. Talvez eu escrevesse sobre o Dia do Amigo no Dia do Amigo. Mas não. Amigo do peito. Amigo de fé. Amigo imaginário. Mui amigo. Amigo da onça. Amigos para sempre. Amizade colorida. Tudo isso é sobre o que não vou falar aqui. Nem vou falar do argentino que teve a idéia de criar o dia do amigo no mesmo dia em que o homem pisou na lua porque, segundo ele, abriu-se a oportunidade de se fazer amigos em outras partes do Universo. Rá. Argentino idiota. Ele só esqueceu de mencionar quem eram os amigos dele e perdeu a chance de eternizá-los. Tirando os lunáticos e os fãs nostálgicos do filme ET, particularmente não

Happiness

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"Um dia eu queria ser feliz. Não só ter a sensação passageira, mas toda minha essência absorvida pela felicidade. Só então poderia almejar deixar de ser feliz, pois completo estaria." "Se é preciso ter pra não querer ter, então imaginar que temos resultaria em imaginar que não iríamos querer ter?"

Os Votos, de Sérgio Jockymann

Muitos dizem que a música Amor pra Recomeçar , do Frejat, é baseada em um poema chamado Desejos , do francês Victor Hugo . Mas, adivinhem? Hugo nunca escreveu tal poesia. Já o poema Os Votos foi publicado originalmente em 30/12/1978 no jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre-RS, e a autoria é do brasileiro Sérgio Jockymann . Para ver os scans do jornal visite o Blog do Emilio Pacheco . "Pois desejo primeiro que você ame e que amando, seja também amado. E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa. Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar. Desejo também que tenha amigos e que mesmo maus e inconseqüentes sejam corajosos e fiéis. E que em pelo menos um deles você possa confiar e que confiando não duvide de sua confiança. E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida exata para que algumas vezes você interprele a respeito de suas próprias certezas. E que entr

Fazenda Modelo, de Chico Buarque

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"Havia também os meninos que se mantinham aparentemente alheios ao movimento da Fazenda. Era o caso de Lin. Não que se manifestasse abertamente contra alguma coisa, isso não, até que acatava as instruções e comia na hora certa. Mas nas horas vagas Lin gostava dos seus cachos. Gostava de se cheirar as axilas, estalar as juntas, lavar as intimidades. Levava tempos compenetrado, examinando cada detalhe do próprio corpo, parafusando o umbigo, achando graça nas mamilas, estudando o urbanismo das veias. Percorrendo as veias atingiu o coração e começou a compreender as pulsações todas. As vibrações. Talvez, por algum motivo, desgostoso das coisas em volta, Lin foi ficando todo para dentro. E foi ficando para longe, como que num oriente, como num tempo remoto, como um avô sábio, ficou feito um bos índicus. Já controlava de tal modo o coração que este nunca iria parar. Circulava pelas próprias artérias e chegou a explorar os nervos que levam ao cérebro. Daí poderia arbitrar a intenção de

Quiromania para a Condessa Erzsébet

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A minha vida chegou ao fim no momento em que a noite terminou. Uma mulher, uma sombra passageira disfarçada de musa, depois de ninfa, depois sereia, deusa, vício, maldição e tortura, transpôs a minha existência e roubou a essência do meu ser. Transformou em rosa dilacerada o cego apaixonado. Em restos putrefatos o inocente sonhador. Não fez caso da existência conjunta construída à custa de palavras, sussurros, gemidos, gritos e silêncios. No buraco vazio onde outrora ardia o meu coração, por ela, restou apenas o som áspero de dentes dilacerando sentimentos. Cortou a jugular da minh’alma quando desprezou as noites de luxúria em que bebia incansavelmente a minha seiva. Eu a saciava dando o que ela queria e ela queria sempre mais. Julgava-a perfeita – pobre tolo que era – a companheira ideal por nunca alterar-se com o tempo, permanecendo sempre bela, jovial, faminta e sedutora, e não levei em conta que eu é quem mudara. Uma noite, sorrindo o seu sorriso diabólico, olhando o seu

Tessitura Editora

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Vez em quando aparece uma editora nova, ou menos conhecida, trazendo belas surpresas em seu catálogo de livros. Ao peneirar a internet atrás de uma tradução mais fiel (e não uma adaptação) de Beowulf dei de cara com a edição bílingue (de encher os olhos) da Tessitura. E, passeando pelo site da editora , notei que há outras pérolas. Assim que me sobrar dinheiro tempo pretendo fazer algumas aquisições por lá. Talvez até role uma resenha crítica se as traduções forem realmente boas (ultimamente ando resenhando somente livros excepcionais). Veja abaixo três livros que selecionei. BEOWULF Tradução de ERICK RAMALHO (Um dos ganhadores do JABUTI 2008) 240 pgs - 14 x 21 cm SINOPSE: A Tessitura Editora lança, em edição bilíngüe, a tradução de Beowulf, poema inglês medieval. Pela primeira vez traduzido em versos para a língua portuguesa, Beowulf é apresentado lado a lado com o texto original, um épico de 3.182 versos com aliterações produzido, por volta do século X d. C., em inglês

Destaques da 27ª semana de 2010

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1. Os sites Blog do Galeno e Observatório do Livro trazem notícias e informações interessantes sobre o mercado editorial e literário. O primeiro, traz o Livrômetro, que mostra estatísticas de quantos livros são lidos no Brasil. 2. Diário de Anne Frank é lançado em quadrinhos. "Publicado pela primeira vez em 1947,  o "Diário de Anne Frank", relato simbólico da perseguição dos judeus pelos nazistas, foi traduzido desde então para 70 idiomas. Mais de 35 milhões de exemplares foram vendidos no mundo." Fonte: G1 3. Festival Literário Submarino , com super ofertas em uma grande seleção de livros. São mais de 40.000 títulos com preços a partir de R$9,90. Essa é a sua chance de ter as publicações que tanto quer num festival de livros de todos os gêneros! Mas aproveite, a promoção é por tempo limitado.

Poesia Matemática, de Millôr Fernandes

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Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma Incógnita. Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a, do Ápice à Base, uma figura ímpar: olhos rombóides, boca trapezóide, corpo octogonal, seios esferóides. Fez da sua uma vida paralela à dela até que se encontraram no infinito. "Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical. "Sou a soma do quadrado dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa." E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética corresponde a almas irmãs) primos entre si. E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas sinoidais nos jardins da quarta dimensão. Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas e os exegetas do Universo Finito. Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. E enfim resolveram se casar, constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular. C

30 mandamentos para ser leitor, escritor e crítico

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DECALÓGO DO LEITOR Por Alberto Mussa I - Nunca leia por hábito: um livro não é uma escova de dentes. Leia por vício, leia por dependência química. A literatura é a possibilidade de viver vidas múltiplas, em algumas horas. E tem até finalidades práticas: amplia a compreensão do mundo, permite a aquisição de conhecimentos objetivos, aprimora a capacidade de expressão, reduz os batimentos cardíacos, diminui a ansiedade, aumenta a libido. Mas é essencialmente lúdica, é essencialmente inútil, como devem ser as coisas que nos dão prazer. II – Comece a ler desde cedo, se puder. Ou pelo menos comece. E pelos clássicos, pelos consensuais. Serão cinqüenta, serão cem. Não devem faltar As mil e uma noites, Dostoiévski, Thomas Mann, Balzac, Adonias, Conrad, Jorge de Lima, Poe, García Márquez, Cervantes, Alencar, Camões, Dumas, Dante, Shakespeare, Wassermann, Melville, Flaubert, Graciliano, Borges, Tchekhov, Sófocles, Machado, Schnitzler, Carpentier, Calvino, Rosa, Eça, Perec, Roa Bastos, Onett

Duelo de Escritores convida participantes

Este post é um convite para os que, assim como eu, curtem, gostam, amam, necessitam, adoram escrever. O blogue Duelo de Escritores , do qual virei participante este ano, mudou as regras e abriu a participação nas disputas para os visitantes. Aqueles que se interessarem em ver como escrever sob pressão - nem sempre é fácil falar sobre temas muitas vezes fora da sua área, bem como dentro de um curto espaço de tempo e submetê-lo à crítica de outros escritores que também estão falando sobre o mesmo assunto - e treinar os seus dotes literários, é uma excelente oportunidade. Digo isso por experiência própria, pois muitos dos meus melhores textos escritos aqui no blogue vieram de sugestões de temas lá do DdE. Veja abaixo as regras para participar: Funciona assim: Quando você votar no seu texto preferido, você pode deixar, no mesmo comentário, seu nome e e-mail e dizer “quero participar do Duelo de Escritores” . Nós chamaremos todos os inscritos, por ordem de inscrição, a participar

Aeolus

A primeira coisa que senti foi o meu rosto ardendo sob o sol. Mas somente quando uma onda gelada atingiu o meu corpo é que abri os olhos assustada. Percebi que estava deitada em uma praia. Só quando tentei me levantar é que tomei consciência da tremenda dor em minha cabeça. Não tinha a mínima ideia de onde estava ou como fui parar ali. O meu corpo parecia todo quebrado e mesmo tonta enxerguei o corpo de um homem de bruços na areia. O seu paletó marrom estava encharcado. Me arrastei até ele. Por favor, esteja vivo. Consegui virar o homem e me espantei com o seu rosto estranhamente familiar. Mas minha cabeça doía e não consegui lembrar-me de onde o conhecia. Encostei o ouvido em seu rosto e não escutei respiração. Reuni todas as forças para tentar uma RCP. Assoprei duas vezes em sua boca. O seu tórax encheu-se de ar. Pressionei-o uma, duas, três, quatro, cinco, seis, merda, oito, nove, reage, doze, treze, catorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, vai, vinte, vai, vinte e dois, reag

Philip Roth fala sobre "A Humilhação"

Numa entrevista concedida em sua casa, em Connecticut, o autor fala sobre o livro "A Humilhação" e revela a trama de seu próximo livro, "Nemesis". Reportagem: Lúcia Guimarães Imagens: Sean Conaboy Fonte: TV Estadão