o OrVaLhO e Os DiAs, de Nilton Resende

Este livro foi gentilmente cedido e enviado pelo autor/editora para ser resenhado. Fica, assim, automaticamente sujeito à Política sobre Resenhas Solicitadas deste blog. O texto abaixo pode conter revelações sobre o enredo (spoilers).

O Brasil não é um país de leitores. Blá. A poesia é o gênero literário menos popular: coisa de mulher, diário adolescente ou vagabundo que não tem o que fazer. Blá, blá. Dos poucos que lêem poesia menos são os que a entendem ou a sentem na pele. Blá, blá, blá. E dentre os bons poetas – clássicos ou contemporâneos, nacionais ou estrangeiros –, os que aparecem continuamente nas escolas, em listas de leitura obrigatória ou em novas reedições quase que anuais são os velhos bambambãs de sempre. Blá, blá, blá e blá. Ano vai, ano vem, e a ladainha é a mesma. Mas apesar de sabermos e até usarmos ou acusarmos alguns dos chavões acima quando queremos ostentar um ar mais intelectual, no fundo cada um compactua para que nada mude. Receitar o “leia uma poesia por dia para uma vida mais sadia” é arriscar-se a ver surgir na face à sua frente ao mesmo tempo expressões de ironia e desconfiança da sua sanidade mental. Confessar que gosta de poesia é ainda pior, como já o disse Minás Kuyumjian Neto, seria igual a alguém declarar publicamente que se masturba.

Como sair do paradoxo de apreciar poesia sem ser depreciado por isso? Simples, basta o seguinte raciocínio lógico: o leitor de poesia tem mais chances de se apaixonar, mesmo que platonicamente; a criatividade, a imaginação e os sentimentos humanos (ou divinos) mais profundos afloram naquele que lê poesia; a poesia mostra algo sobre você que ninguém sabe, nem você. O poeta é, antes de qualquer classificação acadêmica, um ser humano hipersensível que busca transmitir as sensações que nele transbordam aos seus leitores.

o OrVaLhO e Os DiAs, livro premiado no Projeto Alagoas em Cena de 2006, traz 50 poesias do alagoano Nilton Resende. Poeta e livro falam de situações pessoais que procuram evocar a universalidade, como o trecho que traz a lembrança da época em que o menino que esperava as fatias de manga cortadas pela avó para depois do almoço, ou
“O menino bate a pedra.

O que fazes, ó menino?
Bato a pedra, bato a pedra.

Pra que bates, ó menino?
Farei nela linda flor.

E por que tu tão transido?
Por que choras, meu menino?

Sei que tudo é perdido:
ela não terá odor”
Os títulos das poesias e do próprio livro alternam caracteres maiúsculos e minúsculos. Alguns títulos são “uM pRiMeIrO eXeRcÍcIo De FrAcAsSo” (transcrito acima), “EsTe PoEmA mE vAi” e “mAcUlAdA cOnCeIçÃo”. Quem não navega há muito tempo na internet poderia achar que se trata de uma inovação interessante, mas outros lembrarão daqueles que se utilizam dessa forma escrita desde as extintas redes BBS até os dias de hoje: os garotos metidos a hacker que querem se diferenciar escrevendo ou assim ou com caracteres (gráficos, árabes, etc.) que visulamente se pareçam com as letras do nosso alfabeto. Eles são criticados e desprezados desde sempre e por isso, talvez a sensação de repulsa para com eles se transfira para os textos do Nilton, mesmo que sejam poesias e ele não seja um hacker.

Além de poeta, Nilton Resende é professor, ator, diretor e roteirista. Nesta coletânea, ele mostra que as suas principais influências foram Hilda Hist e Lygia Fagundes Telles. Talvez por influência delas, as suas poesias trazem uma predominância feminina. Grande parte é narrada em voz de mulher ou é sobre uma: Maria Madalena, princesas, trabalhadoras, mães, irmãs, moças apaixonadas e até fantasmas. Outra característica comum é o traço da religiosidade cristã que, algumas vezes, é indiretamente criticada.

Mas parece que ainda falta algo no livro e que este não será o maior trabalho do autor. Por isso, o leitor não pode exigir que as 50 poesias sejam de tirar o fôlego, excepcionais, o que o brasileiro faz quando quer que seu time sempre ganhe. Algumas das poesias mecherão com você, outras não e ainda outras lhe causarão desconforto. Se for comprar o livro, pense como se estivesse comprando um CD de música, onde haverá boas escolhas entre outras não tão boas. Talvez no futuro o autor aprimore o seu estilo para que atinja uma gama maior de leitores, para aí sim, tornar-se verdadeiramente universal.

leitura em: Agosto 2008
obra: o OrVaLhO e Os DiAs, de Nilton Resende
edição: 1ª, EDUFAL (2007), 84 pgs
preço: Compare as opções no Buscapé

Comentários

  1. Não tenho certeza sobre o autor da citação, acho que foi o Quintana:
    Se o poeta em toda a sua existência fizer um único poema bom ele já terá feito muito.
    .
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  2. jefferson,
    obrigado pela crítica.

    é estranho lermos críticas:
    quando dizem o que queremos, achamos que ela apenas repetiu o que já sabíamos; quando dizem o que não queremos, achamos que, algumas vezes, o crítico não percebeu algo que queríamos dizer, achamos que a leitura dele foi enviesada ou algo assim. ou simplesmente discordamos de alguns aspectos do texto.

    mas se enviei o livro,
    enviei para saber o que um outro pensa do que escrevi.

    por isso, digo que, embora discorde de algumas coisas que você escreveu, foi ótimo o fato de você ter lido, ter dado sua atenção ao livro.

    abraço.
    obrigado. parabéns pelo blog. e sucesso.

    e,
    realmente, eu espero que o próximo seja melhor rsrsrs.

    abraço.

    niltonjmresende@hotmail.com

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