Buda e o ladrão

Buda e seus discípulos descansavam sob a sombra de uma figueira à beira de uma estrada, quando alguns moradores de um vilarejo próximo se aproximaram em alvoroço. O grupo seguia aos brados dois homens com vestes oficiais, que traziam um terceiro entre eles. Ao se aproximarem do mestre, jogaram o homem aos seus pés. Um dos oficiais, talvez o de maior patente, falou:

- Ó Sâmana, este homem é um ladrão e estas pessoas são as suas vítimas. Eu, como soldado, tenho a obrigação de puni-lo conforme as leis do país. Mas o ladrão insiste em declarar que é pobre e rouba para alimentar a família. Contudo, estando tu, grande mestre, em nossa região e sendo chamado de sábio dos sábios, gostaria de ouvir a sentença que darias a tal homem. Eu pretendo fazer conforme o que tu disseres.

Buda levantou calmamente os olhos para o ladrão, depois para os oficiais e por fim mirou a multidão. O seu semblante era tão sereno que seria impossível saber se ele se incomodava ou apreciava a situação. Com uma voz educada mas firme, respondeu:

- Eu lhe darei o julgamento se tu responderes a duas perguntas: a primeira, o que deves ser considerado superior, o homem ou a lei? Se responderes que o homem é superior, então porque ele deve se curvar e obedecer a lei? Mas se responderes que a lei é superior, então por sem o homem ela não existiria?

O oficial ficou calado. O ladrão permanecia encolhido. A multidão nada disse, nem um simples sussurro. Até as aves pararam de cantar para aprenderem um pouco daquele momento. Cada um, além da respiração e das batidas do próprio coração, ouvia apenas o roçar suave do vento nas folhas das árvores. Depois de certo tempo, Buda, como que falando diretamente para toda a natureza, concluiu:

- No silêncio da tua resposta resides a minha sentença. Aprenda a escutá-la e saberás o que deves fazer.

Este conto é uma ficção. Foi inspirado e escrito após a leitura do Atthaka, o livro das oitavas, que diz: "O brâmane liberto já transcendeu as paixões e não se deixa mais afetar por elas. Para ele, não há mais norma, nem lei, nem coisa alguma existe que ele possa chamar de norma, e nada ainda que possa chamar de lei".

Comentários

  1. Grande conto. Forte concorrente a virar e-mail tipo corrente. Invadindo a rede. Daqui a pouco um colega te manda um e-mail com teu próprio texto e é capaz de dizer que não sabe quem é o autor.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  2. Bem, já comecei a corrente mandando ele aos meus contatos, hehe. Vai q eu viro um ilustre desconhecido?

    +1 abraço.

    ResponderExcluir
  3. bom dia maxiway!!!

    não julgar para não ser julgado.

    muito bom.

    abraço meu amigo.

    ResponderExcluir
  4. UM HOMEM não precisa de leis, um pé de trigo não precisa de cuidados. HOMENS, para viverem juntos precisam de leis e de ordem. UM TRIGAL precisa que se lhe separe o joio. UM BUDA vive em transcendência... a humanidade não sobrevive só de pensamentos.

    ResponderExcluir
  5. Olá Jefferson, cheguei aqui no seu blog através do NaNoWriMo. Bem legal o texto, quem sabe qualquer dia eu recebo ele por email, hehehe.
    Bem, motivado pelo espírito do NaNo, criei um blog também onde pretendo falar sobre escrita e qualquer coisa relacionada. Tendo tempo, dá uma passada lá!

    Abraços

    ResponderExcluir
  6. É verdade, eu concordo com o carinha do primeiro comentário. Seus contos são dignos de publicação, daqueles que você acha em qualquer lugar e com autoria de Arnaldo Jabor ou Miguel Falabela.

    Enfim, se eu ler algo assim fora daqui que seja seu, e reconhecer, exigirei os direitos autorais =D

    ;*

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Isso aqui não é uma democracia. Portanto, escreva o que você quiser, mas eu publico somente os comentários que EU quiser.

Postagens mais visitadas deste blog

Expressões lá do Goiás (II): Cara lerda

Oração da Serenidade, de Reinhold Niebuhr

Coleção Grandes Escritores da Atualidade, da Planeta DeAgostini