A Arte de Escrever com Arte, de José Carlos Leal

Não compre!José Carlos Leal é professor carioca graduado em Letras com mais de 40 livros publicados sobre variados temas, entre eles destacadamente os de cunho espírita e mitológico.

Apesar do livro A arte de escrever com arte (seria uma referência ao A arte de escrever de Schopenhauer?) ter sido escrito por Leal, parece que ele não prestou atenção aos seus próprios conselhos ao escrevê-lo. O livro tem a pretensão de apresentar técnicas àqueles em que a falta de talento seria um empecilho à escrita:

o estudo burila o talento e o ajuda a desabrochar e a se desenvolver. [...] uma pessoa que possua conhecimentos, mas não talento para escrever, se orientada convenientemente, tornar-se-á um escritor razoável à medida que se esforce.

A idéia e a intenção do autor são louváveis, pena dizer que o resultado final seja algo tão ruim. O livro superou a todos os que eu lera em minha vida como sendo o que contém mais erros. E não é somente na gramática, mas na padronização, na lógica e na edição. Vale a pena salientar o aviso da editora na página das informações técnicas do livro:

Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à nossa Central de Atendimento, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.

Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação.

A veracidade dessa declaração é posta à prova quando encontram-se tantos erros reunidos em uma mesma obra, afinal, zelo e técnica são qualidades que podem ser verificadas e comprovadas em um trabalho escrito. A frase final da citação arremata um raciocínio do tipo "Publicamos um livro tão ruim que qualquer tolo que porventura o compre não poderá reclamar que adquiriu um produto de baixa qualidade. Quem mandou confiar na propaganda? Comprou gato por lebre e agora dançou."

Quando um livro menospreza o leitor pela falta de qualidade, edição, zelo e técnica, é como se aqueles que o escreveram, editaram e publicaram pensassem da mesma forma. Ou trabalhassem de modo demasiado apressado e desatencioso para lançar a obra sem o devido cuidado. Não sei qual das duas opções seria a pior. É uma extrema falta de consideração para com o leitor dos que dependem dele (leitor) para sobreviver: a editora e o livro. O autor entraria nessa listagem se não tivesse outra ocupação além da de escritor ou se não escrevesse em outras esferas como a da literatura espírita. Quem dera se ele continuasse exclusivamente nessa área.

A arte de escrever com arte está dividido em duas partes: a Parte 1 sobre lógica e português e a Parte 2 sobre os tipos de redação. Parece interessante ensinar o raciocínio lógico e as principais regras gramaticais para quem deseja progredir na escrita. Pena que esta parte contenha tantos erros... de lógica e de português! E não somente erros básicos, dos quais poderia-se facilmente esquivar-se desculpando-os como erros de digitação, mas são falhas críticas, como esta da página 23:

As duas primeiras proposições do silogismo chamam-se premissas e, a terceira, conclusão. A premissa que possui o termo maior se chama maior e a que possui o termo menor, menor.

A primeira vista a frase está correta, se não fosse o caso das premissas utilizarem-se dos termos maior e médio e a conclusão, esta sim, do termo menor. Isso é exemplificado na mesma página:

Todo homem é mortal. (Termo maior)
Ora, Carlos é homem. (Termo médio)
Logo, Carlos é mortal. (Termo menor)

Outra falha gritante aparece na página 16, classificando que "As oposições são quatro", mas na seqüência são citadas somente três: Contraditórias, Proposições contrárias e Proposições subcontrárias. Garimpando no contexto e na internet notei que as excluídas foram as Proposições subalternas. Simplesmente esqueceram de colocá-las nas explicações apesar de incluí-las na contagem geral!

Não pretendo enumerar aqui os erros de concordância e ortografia, tamanha a quantidade. Mas existem outros erros dos mais variados tipos: pontuação; regência; padronização: os exemplos são mostrados sem ênfase alguma, em itálico, em negrito, entre aspas e com espaçamento diferenciado, o que deixa a leitura confusa (na pg. 212 todos estes são usados em um único parágrafo!), na pg. 144 o autor usa Émile Zola e Emílio Zola, dando a impressão de serem pessoas diferentes; coerência: onde seqüências aparecem picotadas e/ou deslocadas umas entre as outras; digitação: "Se_continuar", "me_entendendo", "na_rua"; entre outras.

Eu particularmente não gostei da Parte 1. Tanto a descrição do livro quanto o título nada falam de lógica ou gramática. Pessoas que, iguais a mim, já têm noções de lógica e gramática suficientes procuram por livros em que as palavras arte e escrever no título venham a mostrar como aperfeiçoar as técnicas de escrita. Os que procuram aprender regras de português e gramática devem ir direto às fontes fidedignas: as gramáticas dos bons professores (Azeredo, Cegalla, Pasquale etc) explicadas por quem realmente entende do assunto - e com menos erros.

Mas não posso ser injusto e dizer que nada no livro me agradou. Mesmo a Parte 2 não sendo profunda, tem o seu valor. Era exatamente o que eu procurava e trouxe dicas sobre estilo e construção textual sem enrolação. Vai da página 141 até a 208 e é dividida em três seções: descrição, narração e dissertação. Deixo aqui a minha sugestão para o autor: melhore esta parte do livro e esqueça a gramática e o senhor terá em mãos uma obra-prima. Seria um referencial melhor que O Caminho das Pedras de Ryoki Inoue em um mercado carente de bons livros sobre escrita. Apesar de boa, a Parte 2 não salva todo o livro, no máximo salva a Parte 2. Contudo, não vale a pena pagar quase R$ 40,00 por apenas 67 páginas de informação.

O livro conclui com dois apêndices desnecessários (mais gramática) falando respectivamente sobre o uso das preposições e dos verbos. A impressão que o livro deixa é a que foi escrito para o uso do escritor em suas aulas: um daqueles livros que professores tendem a empurrar para que seus alunos comprem e obrigatoriamente usem somente enquanto estiverem na disciplina dele. Lamentável, pois reconheço que o autor tem mais potencial que isso. Basta esforçar-se um pouco mais e não subestimar a inteligência de seus leitores que sairão boas obras.

Eu recomendo para os que quiserem adquirir o livro que aguardem a segunda edição sair, pois até lá a Editora talvez tenha a decência de corrigir as falhas - senão todas, ao menos as mais críticas -, que desviam indevidamente a atenção do real objetivo da obra.

leitura em: Agosto / Setembro 2007
obra: A arte de escrever com arte, de José Carlos Leal
edição: 1ª, Editora Elsevier (2006), 234 pgs
Ruim
___________________________________________
PS: Esta resenha também foi publicada nos sites Recanto das Letras, Shvoong, 3:AM Magazine Brasil e Leia Livro.

Comentários

  1. A Daisy comentou comigo que você comprou devido à indicação lá do meu blog.

    Bem, o que posso dizer é que indiquei por também ter sido atraído pela proposta do livro, pelo autor etc etc.

    Mas se é tão ruim como você diz, só me resta tirar da lista de indicações e talvez pedir desculpas, mas acho que não é culpa minha ;P

    Abraço.

    ResponderExcluir
  2. Nem precisava se desculpar André. Eu corri o risco por conta própria.

    Se não ficasse sabendo pelo Lendo.org com certeza ficaria sabendo de outra forma. Afinal, é um assunto que me interessa e por isso mesmo costumo exigir muito dos autores que se arriscam nesta área.

    Quanto a tirar da lista é com vc. Eu não indico o livro pra ninguém, mas vai que pensamos diferente?

    1 abraço.

    ResponderExcluir
  3. Caro JLM, Fui aluno do Professor José Carlos Leal na Universidade Gama Filho. Esse Professor é Mestre em Teoria da Literatura pela UFRJ,e foi um dos melhores professores de Língua Portuguesa do Curso Soeiro nas décadas de 70 e 80. Atualmente tem mais de 71 livros escritos e hoje é formado em Psicologia Transpessoal seguindo a linha de Jung. Infelizmente você apenas leu esta obra e não pode fazer seus julgamentos apenas por ela. Vá ao site da UFRJ e baixe a tese do professor José Carlos Leal intitulada: Semiotização do Espaço na Ilíada, tese apresentada pelo Ilustre Mestre da Teoria da Literatura. Só para você entender a figura desse Mestre ele fala Grego,Latim,Inglês entre outras línguas. Hoje ele se dedica a Doutrina Espírita de Alan Kardec e possui várias teses na área; Além de ter seus trabalhos divulgados na Inglaterra, França entre outros países! O professor José Carlos Leal possui grande Oratória. Em 1988, numa palestra dele ele lotou o Auditório da Universidade com a presença com mais de 1000 alunos. Procure saber mais sobre ele e leia outras obras. Hoje sou Professor de Língua Portuguesa e Literaturas, formado pela Universidade Gama Filho e Pós-graduado pela FEUDUC, e tenho muito orgulho de todas as obras dele. Um grande abraço, Professor Edison Amaral.

    ResponderExcluir
  4. Edilson, em primeiro lugar gostaria de agradecer pelo seu comentário. Somente com algum retorno sabemos se atingimos os nossos leitores, até nas resenhas.

    Quanto ao prof. José Carlos Leal, não tenho nada contra ele. Se reparar em minhas palavras verá que minha crítica é contra o livro A Arte de Escrever com Arte. Citei erros de português e lógica que considero grotescos em uma obra que ensine português e lógica.

    Pode nem ser culpa do JCL, mas é ele quem assina o livro.

    Entendo e aceito sua defesa do professor, afinal vc o conhece e tem um relacionamento pessoal com ele. Nós defendemos quem gostamos e admiramos. Mas peço sinceramente que pegue o livro em questão e verifique se falei alguma mentira (citei até mesmo as páginas dos erros).

    E não leve minha crítica para o lado pessoal, não tenho nada contra JCL, nem o conheço. Critico a obra dele pois gosto de ler livros sobre técnicas literárias e torço para que ele melhore o livro até o ponto de tornar-se uma referência nacional sobre o assunto. Ele nunca conseguiria evoluir nesse sentido se todos falassem que o livro dele está perfeito quando na verdade não está.

    Pense nisso.

    1 abraço.

    ResponderExcluir
  5. vlw! Ok. Vou ler o livro. Vc tem sido um exímio crítico. Gostaria que lesse meu Signos Trágicos:Uma análise da Eneida de Virgílio; sei que posso explorá-la mais para tese de mestrado. Gostaria que comentasse! Um grande abraço! Professor Edison Amaral.

    ResponderExcluir
  6. JLM, Infelizmente vc foi muito precipitado ao tentar usar uma obra do Professor Carlos Leal para daq vazão a críticas infunades e baseadas en sua interpretação pessoal. Penso que talvez isso seja fruto de algum preconceito que vc não se atreveu a expôr de forma clara, pois se vc reavaliar os teu próprio comentário, verá que a fagulha qe aponta para o olho do professor Jose Carls, também de forma evidente aponta para o teu próprio. Faço minhas as palavras do professor Edison amaral em defesa do autor atacado por vc de forma deselegante e desnecessária.

    ResponderExcluir
  7. Ai ai... dá até preguiça.

    Rog(?), por favor leia a minha réplica ao comentário do prof. Edilson e seja feliz.

    1 abraço.

    ResponderExcluir
  8. De forma alguma acredito que os comentários de JLM agridem a pessoa do autor supracitado. Melhor é, sempre, que a resenha seja feita por alguém que desconhece o autor para se evitar tendenciosidade. A resenha é dotada de conteúdo verídico. Ao atingir a página 38 do livro em questão, resolvi procurar por uma resenha para saber se alguém compartilhava de minha precoce decepção, e aqui estava JLM apontando as incorreções e imperfeições que notei na obra. Ainda em tempo de trocar o livro recém comprado.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Isso aqui não é uma democracia. Portanto, escreva o que você quiser, mas eu publico somente os comentários que EU quiser.

Postagens mais visitadas deste blog

Expressões lá do Goiás (II): Cara lerda

Oração da Serenidade, de Reinhold Niebuhr

Destaques da 23ª semana de 2010