Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá


Lewis Carroll escreveu dois livros sobre Alice: o famoso Alice no País das Maravilhas (1865) e o Através do Espelho (1871). Levou aproximadamente seis anos entre a publicação de um e outro, e esta diferença aparece no estilo dos dois livros. O primeiro realmente deixa a impressão de ser a uma compilação escrita das histórias que Carroll contava de improviso para as irmãs Liddell (Lorina, Edith e Alice). Já no Espelho, a estrutura parece mudar, fica mais madura, os parágrafos mais longos e mais explicativos, como se as garotinhas já não fossem tão meninas assim e a escrita de Carroll tivesse de evoluir e se adaptar à nova idade de suas fãs. Mas o resultado não decepciona, pelo contrário, mantém o mesmo efeito do primeiro, consegue maravilhar os mais jovens e entreter os já não tão jovens assim.

Só que desta vez Alice não cai na toca do coelho e sim atravessa o espelho, em um mundo com muitas coisas ao contrário. É impossível não se lembrar das referências que o filme Matrix (1999) faz a ambos os livros. Só que, enquanto Alice sai do mundo real para um mundo de fantasia, em Matrix, Neo precisa fazer o caminho inverso. Por isso, quando ele aceita a pílula vermelha que Morfeus lhe oferece, não é Neo quem entra no espelho, é o espelho que entra nele (veja a cena no Youtube). Outro detalhe é que no primeiro livro, o autor usa o baralho de cartas e o jogo de croqué e no segundo o jogo é o xadrez. Parece que Carroll baseou-se nos jogos que as crianças costumavam brincar naquela época. Segue-se a leitura como se presenciasse um jogo de xadrez, e até o sumário traz como títulos os nomes das jogadas (“Alice passa à 6ª casa da Rainha”, “Cavaleiro V. passa à 2ª casa do Rei (xeque)” etc.) antes dos títulos propriamente dos capítulos.

Porém, somente no segundo livro são apresentadas algumas das personagens mais memoráveis em toda a literatura infanto-juvenil: as rainhas branca e vermelha, os gêmeos Tweedledum e Tweedledee e o experto Humpty Dumpty. Mas até mesmo os personagens secundários mostram-se complexos, ou seja, foram bem trabalhados em sua composição, como as flores e árvore do jardim, e as comidas do banquete final (o pudim me rendeu uma gargalhada espontânea). Mas para se aproveitar o brilho da história deve-se procurar uma tradução que tenha o mérito de tornar de fácil leitura um livro complicado de traduzir, pois é repleto de jogos entre palavras, que certamente fazem sentido em uma língua, mas não em outra. E a tradução da editora Jorge Zahar é feliz e consegue alcançar bom êxito nesta empreitada.

Mas qual será a moral da história em se tratando de Alice? Poderíamos formular diversas, ou então nenhuma, dizendo que Carroll simplesmente não seguiu as regrinhas para escrever livros infanto-juvenis que hoje são obrigatórias para os que se arriscam como escritores para crianças. Independente da opinião pessoal e, portanto, subjetiva, de cada leitor, encontrei uma das mais famosas interpretações, dada pela banda psicodélica Jefferson Airplane (que não sei porque gosto tanto do nome, :P ) na música White Rabbit, e que se tornou um dos lemas do movimento hippie nos anos 70. Abaixo posto o vídeoclipe, a letra e a tradução. Se bem que a música também pode ser interpretada de inúmeras formas diferentes. Bem ao estilo dos livros de Lewis Carroll.



WHITE RABBIT
Jefferson Airplane - Composição: Grace Slick

One pill makes you larger
And one pill makes you small
And the ones that mother gives you
Don't do anything at all.
Go ask Alice
When she's ten feet tall

And if you go chasing rabbits
And you know you're going to fall
Tell 'em a hookah-smoking caterpillar
Has given you the call
Call Alice
When she was just small

When the men on the chessboard
Get up and tell you where to go
And you've just had some kind of mushroom
And your mind is moving low
Go ask Alice
I think she'll know

When logic and proportion
Have fallen sloppy dead
And the White Knight is talking backwards
And the Red Queen is "off with her head!"
Remember what the dormouse said:
"Feed your head
Feed your head
Feed your head"



COELHO BRANCO
tradução

Uma pílula deixa você grande
E uma pílula deixa você pequeno
E aquelas que a sua mãe lhe dá
Não fazem efeito algum.
Pergunte à Alice
Quando ela estiver alta

E se você for caçar coelhos,
E souber que irá falhar,
Mostre a eles que uma lagarta fumando "Narguilé"
Tem feito o chamado para você.
Chame a Alice
Quando ela estiver apenas pequena.

Quando os homens no tabuleiro de xadrez
Levantarem e lhe disserem onde ir,
E você consumira há pouco um tipo de cogumelo
E sua mente estiver movendo-se lentamente,
Pergunte à Alice;
Eu acho que ela saberá.

Quando lógica e proporção
Tiverem caído por terra
E o Cavaleiro Branco estiver falando ao contrário
E a rainha vermelha "corte a cabeça dela!"
Lembre-se o que o rato silvestre disse:
"Alimente sua cabeça
Alimente sua cabeça
Alimente sua cabeça"

Comentários

  1. Bela resenha! Para além do literário, essa narrativa abrange muito do território psíquico. Dizem que Lucy in the sky também foi baseado em Alice. Como você disse, trata-se de uma narrativa que permite várias interpetrações. É como se o livro habitasse em uma espécie de submundo da liberdade.

    Valeu!!

    ResponderExcluir
  2. Tenho muita vontade de ler esse livro, gostei bastante do primeiro, já está na fila =))
    abs!
    www.mundopos.blogspot

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Isso aqui não é uma democracia. Portanto, escreva o que você quiser, mas eu publico somente os comentários que EU quiser.

Postagens mais visitadas deste blog

Expressões lá do Goiás (II): Cara lerda

Oração da Serenidade, de Reinhold Niebuhr

Coleção Grandes Escritores da Atualidade, da Planeta DeAgostini