A mula e a santa
“Ô calor desgraçado este”, praguejou o peão enquanto tirava o chapéu e limpava o suor da testa com a palma da mão. “Olha o linguajar, Ditinho, respeita a presença de Donana”, repreendeu o capataz. “Desculpa, sinhá, eu não quis lhe ofender. É que escapou”. A dama sorriu e com a autoridade que somente ela e o capataz detinham, respondeu “Está desculpado, Benedito. Mas você tem razão quanto ao calor. Belarmino, vamos parar a comitiva no Córrego das Antas, para a tropa poder se refrescar antes de prosseguirmos viagem”.
A comitiva era formada de peões, várias mulas, três carroças e levava os pertences da fazendeira Ana das Dores de volta para casa. Era uma viagem longa, em meio a uma terra de mata fechada e calor insuportável. Mas dona Ana, ou Donana para os conhecidos, era generosa. Por isso, todos obedeceram imediatamente as suas ordens e desceram rumo ao riacho. Lugar de pouso das caravanas que vinham e iam, era um refrigério em meio às longas distâncias do sertão. Uma dezena de casas pipocavam aqui e ali, algumas oferecendo refeições aos viajantes, outras apenas boas conversas. Até mesmo viajantes franceses, exploradores por natureza, já haviam se hospedado nas redondezas e apreciado as belezas da região. Quando deu a hora de partir, Donana estranhou a falta de uma das mulas. Não que a dama fosse detalhista, mas era a mula que carregava uma carga especial. “Onde foi parar a minha santinha?”. Todos ficaram aflitos. Sumira o item mais precioso da comitiva. E o lugar era demasiado novo e pouco habitado para já haver ladrões de mulas ou de santas. Não tinham nem se demorado uma hora lavando-se, abastecendo os cantis e dando de beber as montarias. As buscas seguiram o dia todo enquanto o sol e o calor baixavam. Só a tardinha é que foram encontrar a mula parada em um descampado, empacada e com a mala atada no lombo. Os homens tentaram mexer a mula e nada. Descobriram que era a imagem que pesava grandemente. Donana observou os esforços dos peões e religiosa que era, viu sinal divino naquele fato. “Ó minha santa, entendo os teus presságios e percebo que tu gostastes deste lugar. Por isso eu prometo, neste dia, perante todos os meus empregados e os moradores da localidade, que assim que for construída uma capela na região, eu doarei a sua imagem para aqui residir, conforme a sua vontade”. Milagrosamente, a mula desempacou. A mala pareceu voltar ao peso normal e pode ser carregada tranquilamente.
A promessa de Donana se cumpriu somente 11 anos depois, quando o seu filho mudou-se para lá e ajudou no desenvolvimento da vila e na construção da igreja. Cento e cinquenta anos se passaram desde aquela tarde no vilarejo de Santana das Antas, hoje Anápolis, que em grego significa “cidade de Ana”, não se sabe ao certo se por causa de Donana ou de Sant’Ana ou de ambas, mas o fato é que a imagem é vista até hoje na maior e mais antiga igreja da cidade, construída no exato local em que a mulinha empacara.
A comitiva era formada de peões, várias mulas, três carroças e levava os pertences da fazendeira Ana das Dores de volta para casa. Era uma viagem longa, em meio a uma terra de mata fechada e calor insuportável. Mas dona Ana, ou Donana para os conhecidos, era generosa. Por isso, todos obedeceram imediatamente as suas ordens e desceram rumo ao riacho. Lugar de pouso das caravanas que vinham e iam, era um refrigério em meio às longas distâncias do sertão. Uma dezena de casas pipocavam aqui e ali, algumas oferecendo refeições aos viajantes, outras apenas boas conversas. Até mesmo viajantes franceses, exploradores por natureza, já haviam se hospedado nas redondezas e apreciado as belezas da região. Quando deu a hora de partir, Donana estranhou a falta de uma das mulas. Não que a dama fosse detalhista, mas era a mula que carregava uma carga especial. “Onde foi parar a minha santinha?”. Todos ficaram aflitos. Sumira o item mais precioso da comitiva. E o lugar era demasiado novo e pouco habitado para já haver ladrões de mulas ou de santas. Não tinham nem se demorado uma hora lavando-se, abastecendo os cantis e dando de beber as montarias. As buscas seguiram o dia todo enquanto o sol e o calor baixavam. Só a tardinha é que foram encontrar a mula parada em um descampado, empacada e com a mala atada no lombo. Os homens tentaram mexer a mula e nada. Descobriram que era a imagem que pesava grandemente. Donana observou os esforços dos peões e religiosa que era, viu sinal divino naquele fato. “Ó minha santa, entendo os teus presságios e percebo que tu gostastes deste lugar. Por isso eu prometo, neste dia, perante todos os meus empregados e os moradores da localidade, que assim que for construída uma capela na região, eu doarei a sua imagem para aqui residir, conforme a sua vontade”. Milagrosamente, a mula desempacou. A mala pareceu voltar ao peso normal e pode ser carregada tranquilamente.
A promessa de Donana se cumpriu somente 11 anos depois, quando o seu filho mudou-se para lá e ajudou no desenvolvimento da vila e na construção da igreja. Cento e cinquenta anos se passaram desde aquela tarde no vilarejo de Santana das Antas, hoje Anápolis, que em grego significa “cidade de Ana”, não se sabe ao certo se por causa de Donana ou de Sant’Ana ou de ambas, mas o fato é que a imagem é vista até hoje na maior e mais antiga igreja da cidade, construída no exato local em que a mulinha empacara.
Texto-desafio escrito para o Duelo de Escritores de 21.01.2011, sob o tema "cidade".
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