Você é o herói inconsciente

Hoje eu li uma discussão no fórum Meia Palavra que levantou uma questão que venho ruminando há dias: o uso da jornada do herói - tão bem detalhada pelo historiador das religiões e mitologias Joseph Campbell no livro O Herói de Mil Faces - de forma massificante pela industria da literatura, do cinema e até mesmo da música.

Foi Campbell quem estudou minuciosamente os mitos e fábulas que mais tempo sobreviveram ao tempo, seja em tradições orais ou registrados de uma forma ou outra e chegou à conculsão que tudo se encaixava em uma fórmula simples, a da jornada do herói. Dividida em 12 passos, qualquer história de sucesso hoje se enquadra nela. Hércules. Ulisses. Shakespeare. O Senhor dos Anéis. Crônicas de Nárnia. Livros. Filmes. Desenhos. Praticamente tudo o que tenha os adjetivos bestseller ou blockbuster têm uma pitada ou muitas pitadas do mito de Campbell. Só para você ter uma ideia do que estou falando, a escritora Sonia Belloto, em seu livro Você já pensou em escrever um livro?, fez uma análise demonstrando detalhadamente como Harry Potter e a Pedra Filosofal usou essa estrutura passo a passo. Também detalhou como a mesma estrutura foi usada no filme As pontes de Madison.

Campbell, no documentário O poder do mito, em que aparece sendo entrevistado no Rancho Skywalker, de propriedade do seu amigo George Lucas, afirma junto com o diretor que Star Wars seguiu à risca a receita de bolo do mito do herói. Nada novo até aí, mas um fato histórico interessante é quando a fórmula passou a ser massificada descaradamente no cinema. Nos anos 80, um roteirista da Disney foi incumbido de elaborar um plano para ressucitar as animações do studio onde trabalhava. O cara pesquisou aqui e acolá, e desta pesquisa nasceu o clássico Memorando Vogler (sobrenome do roteirista) e a partir daí os desenhos da Disney só fizeram sucesso atrás de sucesso. E advinha quem foi o principal autor em que Vogler baseou o seu relatório?

A fórmula chegou a ser estudada por alguns psicólogos que afirmaram que o Mito do Herói faz sucesso porque remete à formação da psiquê humana, sendo algo que nos agrada sem precisar ser racional, sem que precisemos fazer força, inconscientemente. Talvez porque a jornada do herói tenha algo a ver com a nossa própria jornada na terra e por aí vai.

O curioso é que dias atrás li a respeito de uma fórmula semelhante ao Mito do Herói, mas no campo da música: a denominada Canção de Ur, que traz uma sequência de 4 notas capazes de transformar qualquer música, desde Lady Gaga até Restart Puke, em sons viciantes e gostosos de ouvir. Maurício Piccini, o autor do post, afirma que as músicas que se baseiam nessa fórmula fazem sucesso não por talento, esforço próprio ou originalidade do seu compositor e sim por aproveitarem um oportunismo subconsciente coletivo. Então, consequentemente, não poderíamos afirmar o mesmo dos livros e filmes que usam a fórmula de Campbell? E a grande pergunta para os escritores de plantão: você preferiria ser você mesmo, com um trabalho original que foge da fórmula batida arriscando não ter sequer um leitor ou seguir a mesma receita de bolo de todos os outros escritores e garantir pelo menos uma tiragem mínima de vendas? Acho que a pergunta chega muito próximo do "vender a própria alma em troca de sucesso".

Comentários

  1. Ei! obrigado pela referência. Se te interessas pela conceito da canção-Ur, Howard Gardner fala rapidamente sobre ela em "Arte, Mente e Cérebro". Não sei se há versão online do texto. Abraço!

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