A caixa de veludo

Procurava palavras que insistiam em manter distância. Na folha em branco, somente o nome dela. Parou o olhar na pequena caixa de veludo preto que estava segurando uma das pontas do papel. Então a caixa devolveu-lhe o olhar e as palavras resolveram se aproximar, carregando toda a emoção que aquele pequeno objeto lhe proporcionava. Não a caixa, mas o seu conteúdo. Não o conteúdo, mas o que ele significava. Mudança de vida. De duas vidas. Ele começando a pensar em e por dois. Uma experiência nova mas extremamente excitante. Ter alguém. Ser de alguém. Partilhar. Apoiar e ser apoiado. Entregar-se. Amar. Finalmente, amar. Enfim, entender o motivo dos poetas sofrerem, da beleza da lua e do coração doer mesmo saudável. Mas ainda era preciso dizer isso a ela. Há certos sentimentos quando não revelados que corroem a alma. Olhou mais uma vez para o papel, e foi o coração na ponta do lápis que escreveu.


“Ana

Eu te amo. Você é a pessoa mais incrível que eu já conheci. Admito que você pode não ser a pessoa mais incrível do mundo, mas dentre as pessoas que conheço, dentre as pessoas que são o meu mundo, você é a mais incrível. Para mim, só existe uma mulher, uma Ana, um único ser em todo o universo com quem me importo mais que comigo mesmo. Por você, eu daria a vida sem lhe pedir nada em troca. Aliás, ela já é sua. Completamente. Meus pensamentos, sentimentos, meu corpo, minha alma. Todos seus, para sempre. Eu te amo. Por isso, quero que se case comigo. Posso não ser o cara com quem você sempre sonhou, mas sou teimoso e paciente o suficiente para fazer com que você sonhe novos sonhos. Comigo. Quando você entrou na minha vida eu era cego e fútil. Agora, só sou cego e fútil quando estou longe de ti. Você é mais que tudo com o que eu já tive a sorte de imaginar de bom para mim. Eu te amo.

Do sempre seu,

Carlos”


Sentiu-se melhor. O papel sabe absorver o que há de melhor, ou pior, em nós. Mas escrever era a parte fácil. A entrega da carta e da pequena caixa era a parte complicada. Respirou fundo. Era chegada a hora de fazer o que não tivera coragem até ali. Levantou-se resoluto. Caminhou entre os olhares curiosos. Sorria e transpirava quando se aproximou da outra caixa, infinitamente maior que a primeira, e nela depositou suavemente os dois itens que carregava. Observou por um momento o sono dos anjos. Disse baixinho eu te amo. Percebeu que a outra caixa também era forrada de veludo.

Desafio proposto no Duelo de Escritores em 22.11.2010 com o tema "a caixa".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Expressões lá do Goiás (II): Cara lerda

Oração da Serenidade, de Reinhold Niebuhr

Destaques da 23ª semana de 2010