Dia C
Era o fim da humanidade como a conhecemos. Mas todos foram culpados por isso. Ninguém prestou atenção aos sinais, nem ligou quando a contaminação começou. Afinal, era apenas um vírus inofensivo que atacava somente idiotas e mentirosos. Nada a ser levado a sério. Mas estávamos errados. Ninguém se preocupou enquanto o vírus era números e chamadas na tevê. É comum a mídia ser sensacionalista nestes casos. Dá IBOPE. Mas quando os casos começaram a surgir nas principais cidades e depois se espalharam exponencialmente pelo interior, a ação de contenção mostrou-se tardia e ineficaz. Chamou-se o exército, e o vírus infectou desde o soldado até o capitão. Chamou-se a ANVISA, mas o vírus infectou enfermeiros, médicos e socorristas. O vírus atacou atores, cantores, religiosos, trabalhadores, empresários, emergentes ou falidos. Não havia quem desse ordens, pois o vírus atacou os governantes. Não havia quem obedecesse, pois o vírus também atacou os governados. Por ser extremamente mutável, quando se pensava ter encontrado uma vacina, esta já não surtia resultado algum. E como os efeitos eram devastadores no organismo humano, havia cada vez menos pessoas habilitadas a pensar em uma cura. Os infectados passavam por uma deterioração gradual do cérebro: primeiro, perda de memória e da noção da realidade ao redor, miopia, cretinismo; depois, disfunções na personalidade como megalomania, dupla personalidade, esquizofrenia. Até o ponto de morte cerebral, onde a massa cinzenta virava algo parecido com uma geleia. Atingiam o chamado ponto sem volta. Mesmo que se chegasse a uma cura, não seria para estes. Apesar de sem cérebro, os infectados deste estágio terminal continuavam andando, soltando palavras e grunhidos sem nexo e sendo agressivos com aqueles que cruzassem o seu caminho e não lhes dessem o que queriam. E o pior, o que os sem-cérebro queriam era se alimentar dos cérebros alheios. Cercavam aqueles pobres coitados que ainda mantinham um pouco de raciocínio e o atacavam, impiedosamente, em bando até transformá-los em um deles. Não é preciso dizer que em pouco tempo o vírus deixou a todos incapacitados. Era o fim da humanidade como a conhecemos. O último sobrevivente, que preferiu o suicídio a sucumbir àquela horrenda infecção, foi quem resolveu batizar o vírus. Chamou-o de corrupção.
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