Cotidiano não é só uma música
6h00 AM. Abro os olhos.
Levantar. Mijar. Olhar para o espelho e perceber que a cara ainda tem o formato de um travesseiro. Tomar banho. Me enxugar olhando no espelho. As costas não alcanço mais. Fazer pose murchando a barriga. Estou ficando velho. Pentear os cabelos. Lembrar de comprar xampu para queda de cabelos. Estou ficando careca. Fazer a barba. Colocar pedacinhos de papel higiênico nos cortes. Escovar os dentes. Passar o desodorante Axe que a Janaína comprou. Não tenho o cheiro que eu quero, tenho o que ela quer. Vestir o uniforme azul dobrado sobre a cama. Desbotado mas asseado. A meia tem um remendo no dedão. O cheiro de café me leva à cozinha. Janaína termina de pôr a mesa, me dá um beijo e volta dormir. Como duas fatias de pão com margarina e café preto doce. Doce como Janaína. Antes de sair passo quieto pelo corredor e observo Janaína dormindo. No quarto ao lado, o Júnior atravessado na cama. Não compensa arrumá-lo, daqui a pouco ele levanta para o colégio.
No ponto de ônibus venta. Há pelo menos dez pessoas quando chego. Trabalhadores como eu. Estudantes como o Júnior. O ônibus chega lotado. Mas sempre cabem mais dez. No começo vou espremido perto da porta. Como meu destino é mais longe, vejo as pessoas descerem e o ônibus esvaziar. E colegas com uniformes iguais subirem. Mas não converso, pois dá tempo de tirar uma soneca me encostando no vidro da janela.
Bater o ponto. Pegar com a Marlene as Ordens de Serviço do dia. Catorze. Dia longo. Visto os apetrechos de segurança e entro no caminhão com outros três. Rua das Dores, número 513, Vivian Parque. Na OS aparece que uma reclamação foi feita ontem a noite e solicitaram urgência no problema. Estavam certo. Um cano entupiu e fez com que o esgoto voltasse para a superfície. Casas e ruas cheias de merda. O mau cheiro eu já acostumei. O que não acostumei foi com os moradores brigando conosco, como se nós fossemos culpados pela merda deles. É preciso acionar a escavadeira. Uma hora depois ela chega e começa a cavar. A água da região é cortada e a rua fechada. A merda não, pois mesmo sabendo que estamos trabalhando o povo não para de cagar. Dentro do buraco, descubro que três canos precisam ser trocados. Uma hora depois, os canos chegam, mas aí já é hora do almoço. Subimos no caminhão e vamos comer à uma quadra dali. O povo não entenderia porque temos de parar o serviço para comer. Eles nunca entendem. No marmitex de hoje veio ovo frito no lugar da salada. Gosto de ovo. Comemos na calçada, longe das pessoas que não entendem como suportamos comer com aquele fedor em nossas roupas. Sobra tempo para o Raul e o Pezão discutirem sobre uma candidata política. Eu prefiro observar um pombo seco atropelado jogado perto do meio-fio. Voltamos ao serviço. Cavar. Tirar o cano. Botar o cano novo. Tapar o buraco. Religar a água e ver no que dá. Tudo certo. Agora só faltam treze chamados.
No ponto de ônibus faz calor. Há pelo menos dez pessoas quando chego. Trabalhadores como eu. Estudantes como o Júnior. O ônibus chega lotado. Mas sempre cabem mais dez. No começo vou espremido perto da porta. Como meu destino é mais longe, vejo as pessoas descerem e o ônibus esvaziar. Dos colegas com uniformes iguais eu sou o último a descer. E não converso, porque ninguém chega perto de mim por causa do cheiro. Tiro uma soneca me encostando no vidro da janela.
Jogar a roupa suja na área. Ir de cuecas para o banheiro. O Júnior ri. Tomar banho. Me enxugar olhando no espelho. As costas não alcanço mais. Fazer pose murchando a barriga. Estou ficando velho. Pentear os cabelos. Lembrar de comprar xampu para queda de cabelos. Estou ficando careca. Passar o desodorante Axe que a Janaína comprou.
Sento na frente da tevê para ver o jornal. Mas está passando horário político. Janto engolindo promessas com arroz. Júnior faz a tarefa de casa. Papai, tenho de escrever sobre o seu trabalho. Coloca aí que seu pai é igual a um médico. Enquanto o médico desentope as veias do doente, o seu pai desentope as veias da cidade. O seu pai é o médico das veias da cidade. Ele escreve tudo enquanto Janaína me mostra as contas que precisam ser pagas amanhã. E eu esqueci de pegar o vale. Vamos ter de pagar multa. Ela faz cara de brava, mas faço um carinho e ela me entende. Durmo no sofá vendo a novela das oito. Não sei como chego até a cama.
Esta poderia ser a rotina de qualquer dos meus dias, de qualquer semana, qualquer mês. Mas não hoje, pois hoje é domingo.
6h05 AM. Fecho os olhos e volto a dormir.
Levantar. Mijar. Olhar para o espelho e perceber que a cara ainda tem o formato de um travesseiro. Tomar banho. Me enxugar olhando no espelho. As costas não alcanço mais. Fazer pose murchando a barriga. Estou ficando velho. Pentear os cabelos. Lembrar de comprar xampu para queda de cabelos. Estou ficando careca. Fazer a barba. Colocar pedacinhos de papel higiênico nos cortes. Escovar os dentes. Passar o desodorante Axe que a Janaína comprou. Não tenho o cheiro que eu quero, tenho o que ela quer. Vestir o uniforme azul dobrado sobre a cama. Desbotado mas asseado. A meia tem um remendo no dedão. O cheiro de café me leva à cozinha. Janaína termina de pôr a mesa, me dá um beijo e volta dormir. Como duas fatias de pão com margarina e café preto doce. Doce como Janaína. Antes de sair passo quieto pelo corredor e observo Janaína dormindo. No quarto ao lado, o Júnior atravessado na cama. Não compensa arrumá-lo, daqui a pouco ele levanta para o colégio.
No ponto de ônibus venta. Há pelo menos dez pessoas quando chego. Trabalhadores como eu. Estudantes como o Júnior. O ônibus chega lotado. Mas sempre cabem mais dez. No começo vou espremido perto da porta. Como meu destino é mais longe, vejo as pessoas descerem e o ônibus esvaziar. E colegas com uniformes iguais subirem. Mas não converso, pois dá tempo de tirar uma soneca me encostando no vidro da janela.
Bater o ponto. Pegar com a Marlene as Ordens de Serviço do dia. Catorze. Dia longo. Visto os apetrechos de segurança e entro no caminhão com outros três. Rua das Dores, número 513, Vivian Parque. Na OS aparece que uma reclamação foi feita ontem a noite e solicitaram urgência no problema. Estavam certo. Um cano entupiu e fez com que o esgoto voltasse para a superfície. Casas e ruas cheias de merda. O mau cheiro eu já acostumei. O que não acostumei foi com os moradores brigando conosco, como se nós fossemos culpados pela merda deles. É preciso acionar a escavadeira. Uma hora depois ela chega e começa a cavar. A água da região é cortada e a rua fechada. A merda não, pois mesmo sabendo que estamos trabalhando o povo não para de cagar. Dentro do buraco, descubro que três canos precisam ser trocados. Uma hora depois, os canos chegam, mas aí já é hora do almoço. Subimos no caminhão e vamos comer à uma quadra dali. O povo não entenderia porque temos de parar o serviço para comer. Eles nunca entendem. No marmitex de hoje veio ovo frito no lugar da salada. Gosto de ovo. Comemos na calçada, longe das pessoas que não entendem como suportamos comer com aquele fedor em nossas roupas. Sobra tempo para o Raul e o Pezão discutirem sobre uma candidata política. Eu prefiro observar um pombo seco atropelado jogado perto do meio-fio. Voltamos ao serviço. Cavar. Tirar o cano. Botar o cano novo. Tapar o buraco. Religar a água e ver no que dá. Tudo certo. Agora só faltam treze chamados.
No ponto de ônibus faz calor. Há pelo menos dez pessoas quando chego. Trabalhadores como eu. Estudantes como o Júnior. O ônibus chega lotado. Mas sempre cabem mais dez. No começo vou espremido perto da porta. Como meu destino é mais longe, vejo as pessoas descerem e o ônibus esvaziar. Dos colegas com uniformes iguais eu sou o último a descer. E não converso, porque ninguém chega perto de mim por causa do cheiro. Tiro uma soneca me encostando no vidro da janela.
Jogar a roupa suja na área. Ir de cuecas para o banheiro. O Júnior ri. Tomar banho. Me enxugar olhando no espelho. As costas não alcanço mais. Fazer pose murchando a barriga. Estou ficando velho. Pentear os cabelos. Lembrar de comprar xampu para queda de cabelos. Estou ficando careca. Passar o desodorante Axe que a Janaína comprou.
Sento na frente da tevê para ver o jornal. Mas está passando horário político. Janto engolindo promessas com arroz. Júnior faz a tarefa de casa. Papai, tenho de escrever sobre o seu trabalho. Coloca aí que seu pai é igual a um médico. Enquanto o médico desentope as veias do doente, o seu pai desentope as veias da cidade. O seu pai é o médico das veias da cidade. Ele escreve tudo enquanto Janaína me mostra as contas que precisam ser pagas amanhã. E eu esqueci de pegar o vale. Vamos ter de pagar multa. Ela faz cara de brava, mas faço um carinho e ela me entende. Durmo no sofá vendo a novela das oito. Não sei como chego até a cama.
Esta poderia ser a rotina de qualquer dos meus dias, de qualquer semana, qualquer mês. Mas não hoje, pois hoje é domingo.
6h05 AM. Fecho os olhos e volto a dormir.
Desafio de escrita proposto no Duelo de Escritores em 21.09.2010, com o tema "uma vida perfeita".
OLá, descobri teu blog no blog da LPM...é bom encontrar mais alguém que gosta dos beats..abraços.
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