SEM VESTÍGIOS (escrito sem a letra A)
O último serviço noturno e o fim do longo expediente em breve. Um prêmio de consolo depois de um número sem fim de tempo com os olhos despertos. Por isso, o detetive mostrou o distintivo no corredor e entrou velozmente no recinto. Primeiro, olhou o corpo estendido no piso frio, coberto só por um lençol de cetim. Depois, percebeu os móveis e objetos em desordem. Curvou-se e mexeu no lençol, olhou de perto o rosto do defunto e pegou com um lenço o vidro de remédio que este segurou entre os dedos mortos. Leu o rótulo e concluiu que o pobre morreu de overdose de sementes de sonhos. Benflogin. Fonte de delírios, visões e desequilíbrios nos cérebros de muitos dos jovens moderninhos. O doido espremeu perto de cem comprimidos, misturou com meio litro de uísque e foi ver Jesus no céu. Ou pode ser que primeiro viu Jesus, viu o céu, o demônio, o inferno, ou tudo junto, e depois morreu. De todo modo, o imbecil morreu feliz em vez de deprimido.
O detetive pensou em escrever suicídio (ou burrice juvenil) no seu bloco de registros e ir logo beber um copo de vinho tinto demi-sec e depois dormir, contudo ficou surpreso vendo o perito médico, velho conhecido seu, em silêncio e sério, estendido em um pufe vermelho.
- O que foi com você, Joel, ficou sensível com o presunto? – perguntou o detetive em um tom leve.
- Ele levou choques nos testículos – respondeu Joel.
- O quê?
- Isso mesmo que você ouviu, detetive Guedes, ele levou eletrochoques nos testículos. E teve pequenos cortes com um instrumento como um bisturi por todo o corpo. E o pé esquerdo ficou no fogo por um bom tempo. Olhe como o pé é preto mesmo sendo o resto do corpo em tom de inverno europeu.
- Um pouco de humor negro no recinto, Joel? – perguntou o detetive Guedes, minutos depois de mexer nos escritos sobre o televisor.
- Como?
- Encontrei nos documentos dele o nome John Smith. De Luxemburgo. Resumindo: ele é europeu. E como você disse um “corpo em tom de inverno europeu” justo sobre um presunto europeu…
- Me desculpe, nem me informei sobre isso.
- Me diz o que este louco de Luxemburgo fez hoje, por obséquio, que o meu turno findou tem tempo.
- Guedes, creio em hipóteses diferentes: ou ele fez isso com ele mesmo depois dos efeitos psicotrópicos do remédio ou criminosos bem inteligentes querem que pensemos que ele se suicidou, depois de terem feito tudo o que existe de perverso com o infeliz.
- Existem indícios de terceiros no recinto ou de confronto violento?
- Só encontrei impressões do morto. Nenhum vizinho o viu com outros. Só um deles escutou o som de móveis sendo desferidos com poder pelo cômodo e os gritos dementes do inquilino.
- É melhor você ir dormir, meu velho, e evite conclusões que se desviem do óbvio. O homem simplesmente pirou e foi só isso – concluiu o detetive Guedes, movendo-se no rumo do corredor e escrevendo em seu bloco que o crime, se é que houve crime, foi um só: suicídio.
O detetive foi-se sorrindo por deduzir que excesso de serviço sim é um crime. Hediondo.
O detetive pensou em escrever suicídio (ou burrice juvenil) no seu bloco de registros e ir logo beber um copo de vinho tinto demi-sec e depois dormir, contudo ficou surpreso vendo o perito médico, velho conhecido seu, em silêncio e sério, estendido em um pufe vermelho.
- O que foi com você, Joel, ficou sensível com o presunto? – perguntou o detetive em um tom leve.
- Ele levou choques nos testículos – respondeu Joel.
- O quê?
- Isso mesmo que você ouviu, detetive Guedes, ele levou eletrochoques nos testículos. E teve pequenos cortes com um instrumento como um bisturi por todo o corpo. E o pé esquerdo ficou no fogo por um bom tempo. Olhe como o pé é preto mesmo sendo o resto do corpo em tom de inverno europeu.
- Um pouco de humor negro no recinto, Joel? – perguntou o detetive Guedes, minutos depois de mexer nos escritos sobre o televisor.
- Como?
- Encontrei nos documentos dele o nome John Smith. De Luxemburgo. Resumindo: ele é europeu. E como você disse um “corpo em tom de inverno europeu” justo sobre um presunto europeu…
- Me desculpe, nem me informei sobre isso.
- Me diz o que este louco de Luxemburgo fez hoje, por obséquio, que o meu turno findou tem tempo.
- Guedes, creio em hipóteses diferentes: ou ele fez isso com ele mesmo depois dos efeitos psicotrópicos do remédio ou criminosos bem inteligentes querem que pensemos que ele se suicidou, depois de terem feito tudo o que existe de perverso com o infeliz.
- Existem indícios de terceiros no recinto ou de confronto violento?
- Só encontrei impressões do morto. Nenhum vizinho o viu com outros. Só um deles escutou o som de móveis sendo desferidos com poder pelo cômodo e os gritos dementes do inquilino.
- É melhor você ir dormir, meu velho, e evite conclusões que se desviem do óbvio. O homem simplesmente pirou e foi só isso – concluiu o detetive Guedes, movendo-se no rumo do corredor e escrevendo em seu bloco que o crime, se é que houve crime, foi um só: suicídio.
O detetive foi-se sorrindo por deduzir que excesso de serviço sim é um crime. Hediondo.
Texto escrito para o Duelo de Escritores do dia 21.05.2010, com o desafio de escrever um texto sem a letra a.
Que desafio! Parabéns! Quando li qual era o desafio, logo pensei: que difícil, quase impossível! E você conseguiu. Que detetive preguiçoso... Não quis ir mais adiante nas investigações. Um abraço!
ResponderExcluirlu
ResponderExcluiro pior é q o desafio foi baseado em textos de crianças da 5ª série. dae pensei, se eles conseguem, eu tb consigo, oras!
1 abraço
Fala sério? Desafio baseado em textos de crianças da 5ª série? Fiquei chocada e, ao mesmo tempo, maravilhada. Afinal, o professor deve ser muito bom e desejar que seus alunos aprendam de verdade. Enfim, você tinha mesmo que participar do desafio! Parabéns, pois você conseguiu! Um abraço!
ResponderExcluirOi JL
ResponderExcluirQue bom ver seu texto todo escrito sem o emprego do que foi proibido.
Muito bom mesmo ficou o seu texto!
Gostei de ter conhecimento que meu texto inspirou você!
Continue o exercício...que depois de uns outros textos...é vício! rs
Beijo
(nem eu usei o que é probibido rs)
Amigo, boa noite.
ResponderExcluirO texto ficou maravilhoso. E sem a letra 'a'. Fiquei feliz por ter sido convidado a ler essa pérola. Ganhou um fã. Parabéns!
Grande abraço.
Realmente muito bom seu texto, feito com maestria mesmo sem o emprego da letra A.
ResponderExcluirBacana mesmo, vou seguir.
Gosto desse tipo de desafio.
Abraços meu caro.