O Príncipe Maldito IX
Leia também a Parte VIII.
Os ilhoásis são pequenas quantidades de água cercadas de desertos por todos os lados. O seu tamanho pode variar desde uma poça d’água – útil só para os seres que, porventura, sejam menores que ela – até uma lagoa completa, equipada com árvores frutíferas, aves, animais de pequeno porte e alguma franquia de fast-food. O problema é quando os ilhoásis são habitados por seres desconhecidamente perigosos.
A capitã pirata Lailah Mor, ex-Corruto III – que adotou o novo nome prontamente assim que o seu enamorado, e por que não dizer abobalhado, capitão Barbarrala revelou o que significava junto ao ouvido dela, quando eles estavam a sós e que, portanto, ninguém além dos dois saberia dizer que raios Lailah Mor significa – organizou uma equipe de exploração para caminhar até o ilhoásis, enquanto o navio mantinha uma distância segura. Convocou Barbarrala, Carpeaux, o druida e mais três piratas para que a acompanhassem, e os demais esperariam jogando cartas ou amarelinha no convés, apostando rodadas de rum por conta dos perdedores. Precavida, a capitã manteve um vigia no topo do mastro para, a qualquer sinal de perigo, avisar os demais piratas.
O grupo desembarcou e caminhava sob a luz do por do sol. Carpeaux lado a lado com o druida.
- Eu não sei como, mas sei que você bolou algum plano com a BB, e não gosto de ficar de fora. Só não entendo por que a capitã amarrou BB e libertou a nós dois. BB vai se livrar das amarras e tomar o navio?
O druida balançou a cabeça negativamente.
- Pensando bem, seria difícil para ela tomar um navio pirata sozinha. Então qual é o plano? Qual é o ponto fraco dos piratas que vocês estão explorando?
Um brilho cruzou o olhar do druida quando este apontou sutilmente para Barbarrala, que conversava com a capitã mais à frente.
- Eu rrrealmente gostei do nome, Barrrba. Tem tudo a verrr com a minha nova perrrsonalidade. Mas tem uma coisa que me intrrriga – disse a capitã de voz grave.
Com outra voz grave, na realidade idêntica à primeira, só que com menos erres, o pirata perguntou: – O que lhe intriga, minha capitã?
- A mulherrr no quadrrro na sua cabine, capitão, errra da Belarrrmina Beladona, não?
- Er... bem, sim – ele falou olhando para o chão – era ela sim.
- Para que eu possa confiarrr em você e saberrr como ficarrrá a nossa rrrelação, eu preciso saberrr porrr que rrraios você tinha um quadrrro dela, mesmo anos separrrados?
Era uma pergunta complicada para o capitão, pois ele não fazia ideia sobre o que Lailah e BB conversaram quando estavam a sós. Ele só sabia que fora uma conversa longa. Se Lailah desconfiasse que ele mentia, teria a fúria de uma capitã pirata contra ele, totalmente linda e maravilhosa arrastando atrás de si uma tripulação de idiotas com pôsteres dela autografados pregados pelos cantos do navio. Mas, se ele contasse a verdade, ah, isto o capitão não se arriscaria nunca, pois sabia que contar a verdade a uma mulher sobre outra mulher era bem mais perigoso que mentir. Naquele momento, ele desejou que Lailah voltasse a ser um papagaio. Ou que ele se transformasse em um druida mudo. Como nenhuma das duas opções era uma alternativa para ele, resolveu fazer o que todo homem faz quando posto contra a parede.
- Lailah, veja bem, meu amorzinho, não fique brava. Eu conheci Belarmina muito tempo antes de conhecer você. Era uma outra época e eu estava totalmente apaixonado por ela, mas agora ela é passado, agora somos apenas eu e você, meu bombomzinho de rum. Eu prometo que de hoje em diante não pensarei em mais ninguém além de você. Palavra de pirata! – e ergueu a mão direita em sinal solene.
A capitã pareceu gostar do que ouviu e pegou a mão do pirata enquanto caminhavam lado a lado. Se ambos tivessem coração para apreciar o por do sol, seria um daqueles momentos perfeitos em que entra uma música melosa e a câmera se afasta para mostrar o perfil dos dois. Mas, por problemas orçamentários, a única coisa que aconteceu foi um som rasgado e fino vindo do final da fila.
- Me desculpem, pessoal – disse Carpeaux – acho que foram aquelas batatas que comi no almoço.
Os caminhantes chegaram ao ilhoásis ao cair da noite, onde eram visíveis somente as distantes lanternas do Darius Drome. Uma pequena mata separava o deserto do lago e ao chegarem na água dois dos piratas puseram-se prontamente a encher os cantis de água, enquanto o terceiro pirata montava guarda. Os outros passaram a entrar na convidativa lagoa, bebendo e refrescando-se ao mesmo tempo. Até perceberem que o druida olhava fixamente o lago. Parecia ter visto algo que os outros não viram.
- O que foi, druida? – perguntou Carpeaux, prevendo que a resposta poderia ser desagradável.
O druida apontou o céu, totalmente escuro, sem lua ou estrela, e depois apontou o lago. Demorou um pouco a entenderem o que ele queria dizer, até que Barbarrala gritou:
- Agora eu vejo! Como pode a lua e as estrelas aparecerem refletidas no lago se não há nada no céu?
O druida apontou mais adiante no lago outro detalhe que não tinham visto: o reflexo de uma montanha e no topo um castelo azulado, visível porque dentro da lagoa havia luar e por causa de uma estranha luz que pairava sobre ele.
- Isto é magia negrrra – falou a capitã – é um encantamento muito forrrte e antigo.
Começaram a discutir o que fazer diante daquela situação, e as opções acabaram resumindo-se a ir embora, ir embora rapidamente e ir embora e esquecer tudo. Mas não eram as opções que o druida tinha em mente. Ele só tinha uma opção. Entrou no lago e foi caminhando cada vez mais fundo. Enquanto todos o chamavam pelo nome de alguns animais que empacam, ele repetia mentalmente um de seus votos como druida: ele deveria ajudar os em perigo que encontrasse em sua jornada. E aquela parecia uma oportunidade perfeita. Mergulhou. Se ele não soubesse que tinha recém entrado na água perderia a noção de direção, pois submerso parecia que nadava para cima. A superfície no fundo da lagoa parecia alcançável a poucos metros.
Enquanto isso, os outros observaram o monge nadar nas águas cristalinas até alcançar uma praia seca dentro do lago. Viram-no ficar em pé e acenar, mesmo estando de cabeça para baixo em relação a eles. Carpeaux foi o primeiro a pular sem pensar, afinal, aonde existe um castelo sempre existe um tesouro. Lailah ordenou aos piratas que esperassem ali, enquanto pulava no lago com Barbarrala. Nadaram para baixo, rumo à superfície. O espaço que percorreram era somente uma faixa de água separando os dois lugares.
Ao chegarem à praia, o druida já torcera o manto e seguia por uma estrada ao pé da montanha. O lugar parecia desabitado, nenhum guarda, nenhum camponês, nem mesmo animal. Não viram uma só alma até chegarem ao castelo, e continuaram sem ver quando passaram pelos portões escancarados. As luzes estavam acesas. Era um castelo magnífico, com entalhes em joias, ouro e prata. Havia esculturas de deuses e de mulheres nuas no jardim. Dentro do castelo, uma escadaria de mármore conduzia a um grandioso salão de espelhos, com tapeçarias exóticas, quadros e móveis com detalhes em ouro. Adentraram a vazia sala do trono, que mantinha duas mesas postas com todo o tipo de gênero alimentício. Aves e mamíferos dos mais diversos tipos e preparos, assados, frituras, cozidos, frutas exóticas, doces coloridos, enfim, tudo o que os médicos costumam proibir, existia naquelas mesas.
- Eu poderia viver aqui – disse Carpeaux – acho que estamos no paraíso.
- Ou então no inferno – soou uma voz rouca atrás deles.
Todos se viraram com as armas preparadas para o uso. Encontraram somente um velho com barba e uma expressão triste em seu rosto, embora trajado com vestes reais e um turbante branco com um enorme rubi em forma de estrela no centro.
- Quem é você? – perguntou a capitã ameaçadoramente.
- Sou Elul-Ah, o soberano deste reino.
- E onde estão os seus súditos, os guardas e os serviçais? - perguntou Carpeaux.
- Não os tenho mais – respondeu o monarca abatido – os únicos seres que habitam comigo são os djins do deserto. Aliás, atualmente eu sou o rei deles.
- Mas não encontramos ninguém desde que chegamos – completou Barbarrala.
- Ah, isto porque os djins são invisíveis, e vocês não os verão enquanto eles não quiserem, mas eu lhes garanto que há milhares deles neste exato momento dentro desta sala, interessados em nossa conversa.
Os visitantes olharam ao redor, mas nada viram. Era realmente estranho uma só pessoa manter sozinha toda aquela pompa, o que lançava no ar um perfume chamado armadilha.
- Porém, peço para que fiquem tranquilos, visitantes, eu tenho um acordo com os djins e eles são proibidos de fazer mal a visitantes no castelo, embora vocês sejam obrigados a passar por uma prova.
- Prova, mas que prova? – perguntou Carpeaux.
- Um pequeno teste, infelizmente. Eu já tentei de todas as formas proteger outros de passar por isto, mas por mais que consiga manter os visitantes longe do meu reino, há sempre um jeito dos djins abrirem portas para cá.
- Mas se você é rei dos djins porque simplesmente não dá uma ordem?
- É que o modo de se negociar com um djin não é o mesmo dos outros reinos. Os djins são seres mágicos que realizam qualquer coisa por meio de apostas. Se você ganha, pode pedir o que quiser, mas se perde eles podem fazer o que quiserem. Foi assim que fiquei extremamente rico, ganhei uma vida longa e tornei-me soberano deles. Também foi assim que perdi a minha família e os meus súditos. Infelizmente, paguei com aqueles que me eram queridos pela minha ganância e egoísmo.
- E como vamos saberrr que você somente não está tentando nos enganarrr?
- Bem, vocês podem tentar sair – respondeu o sultão enquanto dirigia-se ao trono – se conseguirem.
Assim que ele sentou-se e os quatro pensaram em voltar-se em direção à saída, as enormes portas bateram ruidosamente, seguidas por todas as janelas. Era verdade, estavam presos no castelo.
- Vocês não poderem sair sem apostarem é o resultado de um jogo que eu perdi para eles. Mas quando ganhei, exigi que não fizessem mal a nenhum visitante. Contudo, quando eles viram que comecei a ganhar, se recusaram a jogar comigo. O resultado é que estou há vários anos preso neste castelo, esperando em vão por dias melhores.
Barbarrala olhou ao redor para o vazio, praguejando por não saber em que tipo de desvantagem se encontrava. Chamou os outros para confabularem em um círculo.
- O que vocês acham, o rei está mentindo? – perguntou Carpeaux.
- Duvido muito, isso é magia das forrrtes – respondeu a capitã – acrrredito que não temos saída a não serrr aceitarrr a prrroposta dele e verrr aonde isso vai darrr.
- O problema é que sou péssimo em apostas, provas, jogos ou qualquer outra coisa. Vivo perdendo o meu dinheiro nas tavernas por onde passo – adicionou Barbarrala – Alguém de vocês deve ser melhor que eu nisso?
Ninguém falou nada quando todos olharam para o druida.
- Majestade, aceitamos o desafio dos djins – gritou Carpeaux exaltado, já pensando nas possibilidades do que pediria caso ganhassem – quem irá apostar será o meu amigo druida, e eu serei o seu intérprete, já que ele não é de falar muito.
- Muito bem, com o desafio aceito, os djins já podem se manifestar e revelar-lhes as regras do jogo.
Repentinamente, milhares de formas das mais variadas começaram a aparecer lotando o salão. Eram homens com cabeça de cavalo, seres de uma cabeça e três corpos, outros tinham só a cabeça, mas em formato dos mais diversos. Alguns se pareciam com animais, como um que passou voando rente à eles, parecia uma vaca com rabo de galo e asas de borboleta. Os tamanhos variavam de alguns com poucos centímetros até dezenas de metros, fazendo o teto do alto salão parecer uma caixa de sapatos de anão. Os visitantes estavam no meio de um zoológico que poderia ter saído da mente de qualquer doido em um dia que comera muito açúcar. A sala parecia apertada diante de tantos seres, que conversavam e discutiam animados entre si nos mais estranhos idiomas, zumbidos e barulhos.
- Olá, humanos – prontificou-se um ser que flutuava, de pele, olhos e dentes azuis, cujo formato era o de uma garrafa do tamanho de um homem – Meu nome é Juzam e eu serei o juiz deste jogo. Enquanto vocês conversavam com o nosso rei, decidimos qual o jogo os senhores irão participar nesta linda noite: o jogo dos gêmeos!
Os djins vibraram tanto que o castelo pareceu tremer com as batidas de palmas com as mãos, pés, tentáculos ou qualquer outra coisa parecida. O djin Juzam, após fazer um sinal de silêncio com a mão, apontou para dois baixinhos idênticos, que pareciam balões de tão redondos, mas com os pés e dedos muito grandes e apenas uma mão, fechada, no topo da cabeça. E lançou o desafio.
- Estes dois seres apreciáveis a vossa frente são Eugênio número um e o seu irmão gêmeo Eugênio número mil e quatro. Eles vêm de uma família de gêmeos onde alguém só fala a verdade ou só mente. Portanto, os dois Eugênios podem ser do tipo que só mente ou do tipo que só fala a verdade. Também pode ser que um deles só minta enquanto o outro só fale a verdade, ou vice-versa. E o jogo é este: fazendo apenas uma pergunta a cada Eugênio, vocês são capazes de descobrir qual deles esconde uma moeda de ouro na mão?
Ah, continua logo...
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