Para Ler Como um Escritor, de Francine Prose

Escrever bem é um exercício de psicologia. Embora isso não signifique que psicólogos serão sempre bons escritores é quase certo que bons escritores dariam ótimos psicólogos. A atenção aos detalhes, muitas vezes sutis, a percepção do que é expresso verbalmente, por meio de gestos e até mesmo no não-dito são essenciais para se escrever (e também para se ler) uma boa história. Não há regras para assimilar tais habilidades de observação e se tornar um bom escritor. Aliás, há uma, segundo Francine Prose:
"Quanto mais lemos, mais rapidamente somos capazes de executar o truque mágico de ver como as letras foram combinadas em palavras dotadas de sentido. Quanto mais lemos, mais compreendemos, mais aptos nos tornamos a descobrir novas maneiras de ler, cada uma ajustada à razão que nos levou a ler um livro particular." (pg. 17)
Para ler como um escritor (2008, Jorge Zahar Editor) é um livro teórico, mas com a diferença de ser altamente estimulante. Ensina os conceitos básicos da escrita através da análise de trechos de obras mundialmente famosas. No começo, pode até soar estranho aprender não usando regras, somente por exemplos, porém conforme o livro prossegue, o leitor acostuma e aprende como aprender desta forma.

A autora indica como técnica fundamental a leitura atenta (close reading), pausada, meticulosa do texto para descobrir a real e mais íntima intenção do escritor. Somente desta maneira os detalhes mais preciosos serão notados pelo leitor. Contudo, esse tipo de leitura (talvez mais um estudo que uma leitura) não seja para todos. Afinal, quem hoje pode dispensar duas horas para ler apenas duas páginas de um livro? Para Prose isso talvez seja corriqueiro, pois como professora de oficinas de escrita e de pós-graduação em MFA (Master of Fine Art's) ela ganha para ensinar utilizando-se destas análises detalhadas.

O livro tem o tom de uma apostila ou manual de oficina literária com muitos trechos de literatura esmiuçados. A autora admite ter escrito o livro para ser usado para tal fim e procura analisar vários aspectos da criação literária, desde a menor estrutura do texto, "Palavras" (capítulo 3), passando por "Frases" (capítulo 4), "Parágrafos" (capítulo 5) até chegar nos estilos de escrita. "Narração", "Personagem", "Diálogo", "Detalhes" e "Gesto" (capítulos 6 ao 9) complementam seus ensinamentos sobre como construir uma história. Mostra como a maioria das regras ensinadas em oficinas literárias foram quebradas com sucesso pelos grandes escritores. Isso demonstra que escrever é uma experiência pessoal, assim como ler.

O livro não conta nenhum segredo inédito. Tudo o que diz nós já sabemos e a maioria dos livros citados estão disponíveis para leitura em livrarias, sebos ou bibliotecas. Porém o modo simples e claro de analisar o texto revela detalhes que poderíamos ter deixado passar. E de brinde traz informações curiosas sobre a vida de escritores famosos como aperitivos aos seus fãs. De que outro modo descobriríamos que Kafka, mestre em iniciar histórias com frases enxutas e marcantes, aprendeu e incorporou esse dom lendo Heirich von Kleist? E que Kleist suicidou-se com a esposa aos 34 anos de idade enquanto faziam um pequenique?

A tradução e a qualidade do livro para o português estão em um bom nível, pecando apenas num "quem teria podido pedir" (pg. 15) e num "cismou que ia me sivilizar" (pg. 110) e em um erro de referência (pg. 211) em que o trecho kafkaniano analisado pertence ao livro O Veredito e não ao livro O Processo conforme mencionado. A introdução e acréscimos de Italo Moriconi são pertinentes para "encaixar" o livro americano no rol brasileiro. No final do livro há uma lista de leituras imediatas indicadas pela autora, mas não aparece nenhuma obra em português. Moriconi corrige esta injustiça com uma outra lista somente de livros brasileiros. Assim como todo copo de cerveja puxa outro, a leitura de um livro sempre dá vontade de ler outros e Para ler como um escritor não foge à regra, deixa o leitor louco para conhecer mais sobre Kleist, Tchekhov (que tem o capítulo 10 todo dedicado a ele), Jane Austen, Gogol e Tolstoi.

Francine Prose é romancista, crítica, ensaísta e professora de literatura e criação literária há mais de 20 anos em universidades como Harvard, Columbia e Iwoa. Escreveu vários livros, alguns já publicados no Brasil: A vida das musas: Nove mulheres e os artistas que elas inspiraram (2004, Nova Fronteira) e Gula (2004, ARX).

Leia neste blog outras resenhas sobre livros de técnicas de escrita:
leitura em: Maio 2008
obra: Para ler como um escritor: um guia para quem gosta de livros e para quem quer escrevê-los (Reading like a writer: a guide for people who love books and for those who want to write them), de Francine Prose
tradução: Maria Luiza X. de A. Borges
edição: 1ª, Jorge Zahar Editor (2008), 319 pgs
preço: Compare as opções no Buscapé (novos)

Comentários

  1. gostei dessa, bons escritores conseguem ver muito mais do que a maioria dos psicologos! acho que vou trocar de faculdade!

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  2. Gostei,também ! Meu carinho.

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  3. Gostei do texto, me atraiu muito o tema...gostei da leitura...

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  4. Embora escrever seja atividade dificílima, como carregar pedregulhos - já dizia Clarice Lispector -, este post gerou uma certa esperança para mim. Um dia eu chego lá.
    Bom domingo.

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  5. Já estava de olho nesse livro. Sua resenha vai me fazer tomar uma titude e comprá-lo. Muito boa.

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  6. Adorei, achei por acaso sua resenha e o que me chamou a atenção é justamente que você menciona exatamente o que euestava procurando. Adoro escrever minha cabeça é um turbilhão de cenas que não sei explicar, mas descobri que posso passar para o papel, e me sinto muito bem com isso, é claro que tenho muito que aprender, digamos que ainda estou engatinhando, mas vou aceitar sua dica e ler o livro, logo talvez comece dar meus primeiros passos...Valeu! um abraço no coração! Marcia Bia

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  7. Mais sobre o livro no site da Zahar: http://www.zahar.com.br/catalogo_detalhe.asp?id=1089 Sumário, Clipping e Trecho disponíveis.

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  8. Jefferson quantos livros você tem?

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  9. Tomei conhecimento deste livro agora há pouco. O Google colocou-me no seu espaço.
    Gostei muito da sua análise, confirmou o que ouvi à respeito e acrescentou um bocado mais.
    Pode cobrar sua comissão junto à editora, comprarei um exemplar.

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  10. É, Jefferson. Agora você realmente me deixou com vontade de comprar este livro.

    Abraços!

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