Gosto é Igual a

André achava tudo em Verônica perfeito: o bom humor, a disposição para festas e viagens, a predileção por beber tequila até ficar louca, a criatividade e agilidade no sexo, tudo nela, enfim, era perfeito. Exceto um detalhe, ela gostava de ler Nicholas Sparks. André aceitaria qualquer defeito, menos este. Ela poderia ser vegetariana, torcer para o Flamengo, não ser doadora de órgãos, vestir-se só de preto (ou de rosa), cuidar de treze gatos siameses em um apartamento minúsculo, poderia até traí-lo de vez em quando que ele entenderia e perdoaria sem pensar duas vezes. Mas ler Sparks estava além do aceitável. Afinal, todo homem tem o seu limite. André precisava fazer algo. Urgente.

- Amor, posso te pedir um favor?

- Sim, meu bebê. Qualquer coisa.

- Me empresta um livro?

- Ué, você tem tantos na sua casa, e eu só tenho alguns best-sellers.

- É por isso mesmo, estou querendo variar as minhas leituras, ando meio travado nos autores russos. E isso não tá me fazendo bem. Preciso parar de pensar um pouco.

- Tá bom então, qual você quer?

- Me empresta o que você mais gosta.

- Pega ali o Diário de uma Paixão, mas não sei se você vai gostar, é muito mulherzinha.

- Que isso, amor, confio no seu bom gosto desde que você aceitou namorar comigo.

- Seu bobo. Te amo!

Três semanas depois, no restaurante, ambos discutem.

- Mas amor, como você não consegue ver que em todos os romances do Sparks ele usa a fórmula literária do triângulo amoroso? Só que o amante ou a amante é sempre uma entidade abstrata. É ele, ela e a doença terminal. Ou ele, ela e a guerra. Ou então ele, ela e o desastre da natureza.  Poucas vezes ele e ela terminam juntos, quase sempre ele ou ela acabam ficando com o outro. Ela morre de uma doença incurável ou tem amnésia. Ele precisa se afastar ou morrer lutando pelo país ou fugindo de um furacão. É genial!

- Só porque você leu todos os meus livros agora é especialista em Nicholas Sparks? É Sparks pra lá, Sparks pra cá. Virou tiete dele agora? Só falta dizer que quer dar pra ele! Não fosse o bastante achar ele o máximo da literatura e ficar discutindo teorias doidas com as minhas amigas, toda hora, agora até quando estamos a sós? Já comentam que você fala mais nele que em mim! Maldita a hora em que te emprestei os meus livros. Mas vou ser sincera com você: de hoje em diante, se você quiser ficar comigo, não fale nunca mais nele. Faça de conta que eu odeio Nicholas Sparks, porque na verdade eu o odeio mesmo.

- Mas amor...

- Sem “mas amor”. Eu te amo, mas Nicholas Sparks se tornou o outro em nossa relação. É a sua teoria aplicada a nós dois. E você precisa fazer uma escolha agora, ou você fica comigo ou com ele. Nós três juntos não está dando certo pra mim.

- Bem, se é assim que você quer, é claro que eu escolho você, amor...

- Ouquêi, meu bebê, então vamos encerrar essa discussão boba e fazer o pedido? Estou morrendo de fome.

No fundo, André estava aliviado. Não falar nunca mais sobre Nicholas Sparks com Verônica trazia uma vantagem inesperada: ele não precisaria devolver os livros que ela emprestou.

Comentários

  1. Essa relação vai longe não... Ela vai querer os livros de volta hehehe. Ele deve ser "um homem de sorte".

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  2. Adorei! É de sua autoria, Jefferson?

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  3. oi aline, o conto é meu sim. abraços.

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