Relações Gramaticais Explícitas
A definição exata de criatividade é polêmica. Alguns especialistas defendem que ela não é uma ciência e, portanto, não pode ser aprendida ou ensinada. Outros afirmam que é possível disseminá-la para outras pessoas. O que parece ser ponto pacífico é que a criatividade não é um dom que somente poucos predestinados possuem. Ela é algo inerente a todos os seres humanos e pode ser desenvolvida com a prática.
Veja, por exemplo, o caso desta redação que recebi (sem assinatura), supostamente feita por uma aluna do curso de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Além de criativa, a autora domina muito bem a gramática da Língua Portuguesa.
Boa semana e boas aulas.
*****
Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida.
E o artigo era bem definido, feminino, singular. Era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona até; ao contrário dele, um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: “Ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos.”
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses quando o elevador recomeça a se movimentar. Só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal e entrou com ela no seu aposto. Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo seu ditongo crescente. Se abraçaram numa pontuação tão minúscula que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa.
Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos ele foi avançando cada vez mais. Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do sujeito, ia tomando conta.
Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam e viram que isso era melhor que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal.
Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo, era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à Língua Portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.
Veja, por exemplo, o caso desta redação que recebi (sem assinatura), supostamente feita por uma aluna do curso de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Além de criativa, a autora domina muito bem a gramática da Língua Portuguesa.
Boa semana e boas aulas.
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Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida.
E o artigo era bem definido, feminino, singular. Era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona até; ao contrário dele, um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: “Ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos.”
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses quando o elevador recomeça a se movimentar. Só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal e entrou com ela no seu aposto. Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo seu ditongo crescente. Se abraçaram numa pontuação tão minúscula que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa.
Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos ele foi avançando cada vez mais. Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do sujeito, ia tomando conta.
Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam e viram que isso era melhor que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal.
Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo, era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à Língua Portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.
Eu acho que há algo na criatividade que não se aprende!!!*
ResponderExcluiroi menino, passaste hoje no meu blog, fiquei muito feliz ao ouvir que minha escrita está evoluindo. escrever é uma de minhas únicas certezas, não certeza de fazer bem, mas sim de ser um chão sob meus pés quando eu preciso.......
ResponderExcluirdefinitivamente nos faz crescer, e crescendo PRECISAMOS escrever mais....... belo ciclo vicioso!
ps: dei uma olhada em seus textos, nas redações que publicaste aqui (tem algumas muito interessantes e criativas mesmo!), e adorei a sua resenha de "a arte de escrever", do schopenhauer. estou louca pra ler esse livro já faz um tempo, está na minha estante. mas, por mais ridículo que pareça (devido ao número de páginas), nunca sobra um tempinho pra lê-lo, sempre tem algo da faculdade, algum "macunaíma" da vida, por exemplo....
bjn e boa semana
Obrigado por sua visita e indicação! Estou ainda lendo seu blog, mas vejo que é bem legal e interessante.
ResponderExcluirAbraço!