Dentro e Fora
O homem aprendeu a viver só, para a sua própria desgraça. Com a entrega em domicílio de toda e qualquer necessidade, básica ou desnecessária, a vida moderna inutilizou aos poucos a convivência humana. Inaugurou-se a era do egocentrismo e do individualismo, aonde cada uma reclamava o título para si . Abriu-se a possibilidade do homem ser sua própria ilha deserta, com devida comunicação, à distância, com as demais ilhas desertas. Alexandre era o típico Homem Só. Já perdera a conta de quanto tempo não saía de casa. Trabalhava e se divertia pela internet. Pedia comida e fazia compras por telefone. Recebia e gastava seu dinheiro no cartão de crédito. Seus relacionamentos eram virtuais: uma teia de e-mails, telefones e perfis em redes sociais. Gabava-se que o único espelho que precisava era a tela negra do computador. O mundo além das paredes da sua existência física importava-lhe cada vez menos. Até o dia em que um apagão o obrigou a abandonar o comodismo de seu lar.
Alexandre resolvia os seus problemas com um simples telefonema ou e-mail, mas desta vez ninguém o atendeu. Esperou. Leu um livro. Comeu. Cansou-se depois de algumas horas e, como ainda era dia, percebeu que a solução seria reclamar pessoalmente no escritório da companhia elétrica. Antes, contudo, verificaria com os vizinhos se o problema era no bairro. Na rua, foi surpreendido com o dia ensolarado e belo que refletia um enorme silêncio e vazio. Um fato incomum em pleno meio de semana. Dirigiu-se ao prédio vizinho, uma padaria libanesa. Estava aberta e sem ninguém. Pensou em aprontar uma com o turco pegando um pastel sem pagar. Mas ao fazer isso o assombrou um sentimento de abandono ao invés de peraltice. Ninguém saiu de surpresa gritando te peguei. Precisamos de público para as nossas ousadias. Na esquina, a rua de sua casa cruzava com uma avenida movimentada, também deserta. Nenhum carro em movimento; transeunte; sinal de vida. Ou de morte.
Aquela solidão começava a oprimir o peito de Alexandre. Ele entrou em lojas e casas, vagou por ruas e avenidas, sem encontrar vivalma. Nem mesmo um cão abandonado. Sentiu-se o próprio. As teorias mais absurdas fervilhavam em sua imaginação. Ele poderia estar tendo um pesadelo. Ou ocorrera uma fuga em massa por causa de um acidente nuclear. Ou por alguma calamidade natural: tormenta, tsunami, terremoto, vulcão ou asteroide. Uma epidemia de doença mortal. Holocausto zumbi. Invasão alienígena. Uma pegadinha da tevê. Caminhou por horas ao som solitário de seus pensamentos até ouvir um barulho distante. Silenciou a mente. Apurou o ouvido. Era um telefone que tocava. Quando identificou a direção do som, correu para lá como se a vida dependesse disso. Atrás do estacionamento de um supermercado, avistou o orelhão tocando.
Alô, foi o que conseguiu pronunciar ofegante. Do outro lado o silêncio. Tem alguém aí, insistiu, agora respirando melhor. Sim, respondeu a voz feminina, estávamos esperando por você. As perguntas jorraram da boca de Alexandre em cascata. O que estava acontecendo. Onde estavam todos. Quem era ela. Mas nenhuma resposta veio até ele identificar a pergunta principal: por quê o estavam esperando.
Preste atenção, isso é um sequestro, disse a voz calmamente. A humanidade foi sequestrada e você tem até o meio-dia de amanhã para pagar o resgate ou então as pessoas não serão devolvidas. Mas não tenho dinheiro, gaguejou Alexandre. Não queremos dinheiro, ela disse, mas faz parte do preço você descobrir o que queremos. Assim que souber o que deve ser feito, todos serão devolvidos sãos e salvos. Você tem até amanhã ao meio-dia. Adeus. Tut-tut-tut-tut...
Alexandre sorriu, considerava-se bom em enigmas. Precisava refletir. Se não era dinheiro o que queriam, então era algo que só ele poderia fazer. Mas o quê? A primeira ideia que lhe ocorreu foi a de um ato heroico. Suicídio: uma vida em troca de muitas. Mas ele não era nenhum santo, sua vida ordinária não valia tanto. Se alguém o desejasse morto não teria tanto trabalho. Mas se não era a sua vida o preço, o que poderia ser? O seu desespero? Seu sentimento de culpa? Algum arrependimento? Pensou: talvez Deus, o Destino ou o Universo estivessem lhe aplicando uma lição. Vasculhou em sua mente o que ele poderia estar fazendo, ou deixando de fazer, em sua rotina que pudesse ser considerado uma falta. Ateísmo? Cinismo? Egocentrismo? Isolamento? Pornografia? Masturbação? Todavia, nenhum destes defeitos o tornava pior que os demais. Foi quando a resposta brilhou em sua mente, clara como o dia. A solução estava contida no próprio problema. Voltou tranquilamente para casa. Desmontou o computador. Guardou modem, telefone, celular e tablet. Tomou banho. Vestiu sua melhor roupa. Trancou a casa e saiu assoviando. Não voltou.
Alexandre resolvia os seus problemas com um simples telefonema ou e-mail, mas desta vez ninguém o atendeu. Esperou. Leu um livro. Comeu. Cansou-se depois de algumas horas e, como ainda era dia, percebeu que a solução seria reclamar pessoalmente no escritório da companhia elétrica. Antes, contudo, verificaria com os vizinhos se o problema era no bairro. Na rua, foi surpreendido com o dia ensolarado e belo que refletia um enorme silêncio e vazio. Um fato incomum em pleno meio de semana. Dirigiu-se ao prédio vizinho, uma padaria libanesa. Estava aberta e sem ninguém. Pensou em aprontar uma com o turco pegando um pastel sem pagar. Mas ao fazer isso o assombrou um sentimento de abandono ao invés de peraltice. Ninguém saiu de surpresa gritando te peguei. Precisamos de público para as nossas ousadias. Na esquina, a rua de sua casa cruzava com uma avenida movimentada, também deserta. Nenhum carro em movimento; transeunte; sinal de vida. Ou de morte.
Aquela solidão começava a oprimir o peito de Alexandre. Ele entrou em lojas e casas, vagou por ruas e avenidas, sem encontrar vivalma. Nem mesmo um cão abandonado. Sentiu-se o próprio. As teorias mais absurdas fervilhavam em sua imaginação. Ele poderia estar tendo um pesadelo. Ou ocorrera uma fuga em massa por causa de um acidente nuclear. Ou por alguma calamidade natural: tormenta, tsunami, terremoto, vulcão ou asteroide. Uma epidemia de doença mortal. Holocausto zumbi. Invasão alienígena. Uma pegadinha da tevê. Caminhou por horas ao som solitário de seus pensamentos até ouvir um barulho distante. Silenciou a mente. Apurou o ouvido. Era um telefone que tocava. Quando identificou a direção do som, correu para lá como se a vida dependesse disso. Atrás do estacionamento de um supermercado, avistou o orelhão tocando.
Alô, foi o que conseguiu pronunciar ofegante. Do outro lado o silêncio. Tem alguém aí, insistiu, agora respirando melhor. Sim, respondeu a voz feminina, estávamos esperando por você. As perguntas jorraram da boca de Alexandre em cascata. O que estava acontecendo. Onde estavam todos. Quem era ela. Mas nenhuma resposta veio até ele identificar a pergunta principal: por quê o estavam esperando.
Preste atenção, isso é um sequestro, disse a voz calmamente. A humanidade foi sequestrada e você tem até o meio-dia de amanhã para pagar o resgate ou então as pessoas não serão devolvidas. Mas não tenho dinheiro, gaguejou Alexandre. Não queremos dinheiro, ela disse, mas faz parte do preço você descobrir o que queremos. Assim que souber o que deve ser feito, todos serão devolvidos sãos e salvos. Você tem até amanhã ao meio-dia. Adeus. Tut-tut-tut-tut...
Alexandre sorriu, considerava-se bom em enigmas. Precisava refletir. Se não era dinheiro o que queriam, então era algo que só ele poderia fazer. Mas o quê? A primeira ideia que lhe ocorreu foi a de um ato heroico. Suicídio: uma vida em troca de muitas. Mas ele não era nenhum santo, sua vida ordinária não valia tanto. Se alguém o desejasse morto não teria tanto trabalho. Mas se não era a sua vida o preço, o que poderia ser? O seu desespero? Seu sentimento de culpa? Algum arrependimento? Pensou: talvez Deus, o Destino ou o Universo estivessem lhe aplicando uma lição. Vasculhou em sua mente o que ele poderia estar fazendo, ou deixando de fazer, em sua rotina que pudesse ser considerado uma falta. Ateísmo? Cinismo? Egocentrismo? Isolamento? Pornografia? Masturbação? Todavia, nenhum destes defeitos o tornava pior que os demais. Foi quando a resposta brilhou em sua mente, clara como o dia. A solução estava contida no próprio problema. Voltou tranquilamente para casa. Desmontou o computador. Guardou modem, telefone, celular e tablet. Tomou banho. Vestiu sua melhor roupa. Trancou a casa e saiu assoviando. Não voltou.
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