Morar só e fugir de casa
O que faz um monstro aprisionado em sua caverna? Ele observa. E pensa. E espera.
Para contar a minha história, preciso antes narrar brevemente alguns fatos sobre como era a prisão de criminosos antes de eu ser preso. Algumas décadas atrás, o sistema carcerário estava falido. Celas superlotadas. Condições degradantes à dignidade humana. Rebeliões. As prisões eram corretamente chamadas de escolas do crime, aonde presos menos perigosos eram obrigados ou a ascenderem na hierarquia criminal ou a sofrerem as cruéis consequências. Os chefes do crime, mesmo presos, comandavam suas quadrilhas por meio de celulares clandestinos. O comércio de drogas e armas brancas dentro das prisões facilitava a imposição da lei do mais forte. Do criminoso mais forte. O Estado, incapaz, não vislumbrava alternativas viáveis ao modelo em voga. Um preso dificilmente se tornaria melhor para a sociedade.
Tudo mudou com a chegada ao poder do presidente Eduardo Matoso. Visionário e destemido, modernizou leis e instituições e decretou o fim das penitenciárias, cadeias e prisões como até então eram conhecidas. Instituiu a prisão domiciliar obrigatória. Mais barata aos cofres públicos, prender bandidos em suas próprias casas a princípio pareceu um delírio utópico. Mas a equipe de cientistas e médicos contratados pelo governo estava empenhada e entrar para a história. E entrou. Desenvolveram um nanochip biocompatível que seria implantado no cérebro dos criminosos, o Sentinela. Muitos acusaram o presidente de ganhos ilícitos com isto, já que a patente de vários componentes do chip estava com a empresa da família Matoso, a Sentinela S.A. Outros, defensores dos direitos humanos, clamaram a altas vozes que os presos estavam sendo mutilados. Mero barulho inócuo. As vantagens do novo sistema convenceram os legisladores e a população. O Sentinela foi testado e aprovado. O chip repassava à central de monitoramento informações básicas como GPS e gravação em tempo real da voz do indivíduo, por meio das vibrações sonoras da caixa craniana. Porém, a sua principal função era o mini eletrochoque que deixava desacordados os criminosos que tentassem evadir de suas respectivas áreas restritas. Os que tentaram descobriram da pior forma que o chip acionava o alarme na central de monitoramento e antes que alguém pudesse ir longe (neste caso somente com comparsas carregando o preso inconsciente) uma equipe de policiais se locomovia tranquilamente pelos dados do GPS até o fugitivo. Ex-fugitivo. Os custos baixos do sistema foram outro ponto a favor do seu sucesso. Todas as despesas de moradia, alimentação, vestuário e cuidados médico-assistenciais passaram a ser de responsabilidade exclusiva do preso e de sua família. Extinguiu-se o chamado auxílio-reclusão. O Estado centralizou os seus custos nas equipes de cientistas (para aprimoramento e correção dos chips), de médicos neurocirurgiões (para a implantação dos chips) e de monitoramento (policiais treinados para localizar e restabelecer a ordem).
Porém, como todo sistema, o Sentinela não é cem por cento perfeito. Algumas falhas tiveram de ser sanadas de outras formas. Por exemplo, um bandido preso em sua casa ainda poderia fazer mal a quem o visitasse. Isto foi resolvido com a adoção da pintura externa do imóvel do criminoso na cor escarlate. A equipe de monitoramento local era responsável por esta pintura, monitoramento (contra possíveis novas pinturas feitas pelos criminosos) e manutenção. Assim, casas escarlates eram vistas à distância e passaram a ser evitadas pela população. Outro problema que surgiu inicialmente é que o encarcerado poderia reunir-se com seus comparsas em sua própria casa, para o planejamento de outros crimes. A voz do criminoso era monitorada mas as dos demais não. E ele poderia se comunicar facilmente por meio de gestos, escrita ou desenhos. Contudo, longe de ser um problema, se mostrou a solução ideal para capturar os comparsas do preso. Os presos suspeitos de estarem planejando crimes (com informações coletadas não só pela equipe de monitoramento como também por denúncias anônimas premiadas) eram a isca perfeita para atrair e capturar outros criminosos procurados. Depois de um tempo, as casas escarlates também passaram a ser repudiadas pelos criminosos em liberdade.
E é neste ponto que eu entro. Eu, um criminoso em prisão domiciliar. Não me perguntem por quais crimes, basta apenas que vocês saibam que a minha pena era a de prisão perpétua. Ah, eu me esqueci de mencionar que os prazos das penas aumentaram com o novo sistema. Como os custos para o Estado eram os mesmos para se deixar alguém preso por um ano, uma década ou um século, as penas passaram a ser mais pesadas, sem possibilidade de reduções ou cumprimentos parciais. Assim, fui condenado a nunca mais pisar fora da minha porta. Mas nunca mais é um longo tempo para se pensar em uma maneira de fugir.
Antes de tudo, eu precisava ganhar dinheiro. Muito dinheiro, a ponto de poder testar toda e qualquer opção de fuga que surgisse. A maioria dos aprisionados ou era sustentado pelas famílias ou desenvolvia alguma forma de trabalho caseiro. Como eu não tinha família, resolvi experimentar a segunda opção. E eu poderia trabalhar em algo legal ou ilegal. A minha vantagem era que, se fosse pego em outro crime ou tentativa de fuga, a minha pena não aumentaria. Resolvi que me especializaria na modalidade que me trouxesse o máximo retorno em menos tempo. Apostei na bolsa de valores. Especular no mercado de ações se torna fácil quando você não tem mais nada a fazer na vida. Depois de algum um tempo aprende-se antecipar algumas reações dos mercados e lucrar com isso. Depois que se ganha um bom dinheiro, você até mesmo sabe como causar algumas destas reações em proveito próprio. Foi assim que consegui meu primeiro milhão. E o segundo. E o décimo. Sempre anônimo, utilizando-me dos subterfúgios naturais de utilizar empresas e pessoas de fachada. Porém, tudo legal aos olhos da lei. A primeira fase de meu plano de fuga estava concluída em apenas três anos. Eu passei a ter tudo o que o dinheiro pode comprar: bebidas, mulheres, empregados, mudei para uma casa maior, com equipamentos caros, sauna, piscina e academia. Mesmo assim, faltava o que eu mais almejava, minha liberdade. Eu morava em uma mansão escarlate, mas já estava ficando cansado daquela cor.
Como tudo o que consegui fora utilizando meios lícitos, o Estado não podia interferir. Eis a minha primeira lição de fuga. Use o sistema a seu favor. Por isso, contratei uma equipe de advogados para revisar o meu caso e encontrar brechas não só em meu processo original como também nas características da prisão domiciliar e nas hipóteses de fuga. Se elas existissem, eu saberia. Em seguida, me tornei um especialista no Sentinela. A primeira ideia que me surgiu foi tentar bloquear o sinal GPS. Adquiri facilmente um bloqueador de sinal e pedi para meu capataz testá-lo por cinco segundos. Foram alguns minutos desacordado. A perda do sinal acionava o eletrochoque do chip. Fui atrás de neurocirurgiões que conhecessem as técnicas de implantação e remoção. Eram informações sigilosas, pois os profissionais que faziam isso eram monitorados pelo governo, tive de ameaçar, sequestrar e subornar alguns deles para juntar as peças do quebra-cabeças. Em pouco tempo eu tinha o esquema da localização do chip dentro da minha cabeça e descobri que era impossível de ser removido. O material biosintético do Sentinela tornava-se parte do cérebro do indivíduo três meses após a implantação. Mesmo após o cumprimento da pena, os libertos continuavam com os chips até o fim da vida. Apenas era desligado o dispositivo do eletrochoque. Caso reincidissem no crime, bastava religar. O procedimento era feito por meio de uma ordem judicial à multinacional público-privada detentora da patente do Sentinela. Foi onde aprendi a minha segunda lição de fuga: se uma corrente te prende, explore todos os seus elos até encontrar o mais fraco e se concentre nele. Eu, multimilionário anônimo da bolsa, especulador profissional, passei a atacar agressivamente a Sentinela S.A. Os meus advogados haviam levantado os casos, de pouca repercussão na mídia, em que presos haviam morrido por mau funcionamento no chip. O sinal GPS poderia falhar e o eletrochoque constante causava lesões cerebrais. Iniciei uma campanha feroz na mídia com defensores dos direitos humanos contra o Sentinela. A revolta pública com as mortes e falhas do chip fizeram as ações despencar. Até mesmo o governo vendeu as suas ações da empresa, tentando livrar-se da responsabilidade civil. Não preciso dizer que virei sócio majoritário da empresa em pouco tempo. Na verdade, sócio unitário, com acesso e controle a todos os chips Sentinela. O meu era o número 46532-AZD e, por uma falha no sistema de backup, devidamente comprovada por documentação técnica, acabou sendo deletado do banco de dados da empresa.
Em seguida, tratei de reerguer a empresa, afinal, quem derruba é capaz de ajudar a levantar. Saí do anonimato, surgindo como o novo rosto redentor da Sentinela S.A. e, com a devida cobertura midiática patrocinada, fui visto pagando indenizações generosas as famílias das vítimas do chip, e redobrando as pesquisas que garantiam a eficiência do chip Sentinela 2.0. Tratei de corrigir todas as falhas do Sentinela que eu mesmo vim a conhecer e me aproveitar. A confiança popular, como uma onda que havia ido, retornou. Os contratos governamentais foram renovados. Me tornei o modelo de empresário de sucesso. Além da Sentinela S.A., hoje sou dono das redes de televisão Mundial e Telebra, de hotéis, cassinos, transportadoras, empresas aéreas, de telecomunicações, dentre outras tantas.
E é por isso que estou aqui, agora, ao vivo em cadeia nacional, contando corajosamente a minha história a todos vocês, para demonstrar o quanto eu estou sendo honesto. E é por isso que peço o seu voto para a Presidência da República nas eleições que ocorrerão no próximo fim de semana. Pensem: se eu consegui fazer tudo isso por mim com poucas chances, o que eu não faria por vocês e pelo nosso país, estando no comando pleno dele?
Não votem em quem precisa roubar: eu não preciso, sou rico.
Não votem em quem tem limitações para pensar e agir: eu sou um visionário, sei como o sistema funciona e como mudá-lo.
Não votem em um corrupto que será um mero marionete: eu sou marionetista.
O que me traz de volta à pergunta inicial: o que faz um monstro aprisionado em sua caverna? Ele se adapta. Ou adapta a caverna.
Para contar a minha história, preciso antes narrar brevemente alguns fatos sobre como era a prisão de criminosos antes de eu ser preso. Algumas décadas atrás, o sistema carcerário estava falido. Celas superlotadas. Condições degradantes à dignidade humana. Rebeliões. As prisões eram corretamente chamadas de escolas do crime, aonde presos menos perigosos eram obrigados ou a ascenderem na hierarquia criminal ou a sofrerem as cruéis consequências. Os chefes do crime, mesmo presos, comandavam suas quadrilhas por meio de celulares clandestinos. O comércio de drogas e armas brancas dentro das prisões facilitava a imposição da lei do mais forte. Do criminoso mais forte. O Estado, incapaz, não vislumbrava alternativas viáveis ao modelo em voga. Um preso dificilmente se tornaria melhor para a sociedade.
Tudo mudou com a chegada ao poder do presidente Eduardo Matoso. Visionário e destemido, modernizou leis e instituições e decretou o fim das penitenciárias, cadeias e prisões como até então eram conhecidas. Instituiu a prisão domiciliar obrigatória. Mais barata aos cofres públicos, prender bandidos em suas próprias casas a princípio pareceu um delírio utópico. Mas a equipe de cientistas e médicos contratados pelo governo estava empenhada e entrar para a história. E entrou. Desenvolveram um nanochip biocompatível que seria implantado no cérebro dos criminosos, o Sentinela. Muitos acusaram o presidente de ganhos ilícitos com isto, já que a patente de vários componentes do chip estava com a empresa da família Matoso, a Sentinela S.A. Outros, defensores dos direitos humanos, clamaram a altas vozes que os presos estavam sendo mutilados. Mero barulho inócuo. As vantagens do novo sistema convenceram os legisladores e a população. O Sentinela foi testado e aprovado. O chip repassava à central de monitoramento informações básicas como GPS e gravação em tempo real da voz do indivíduo, por meio das vibrações sonoras da caixa craniana. Porém, a sua principal função era o mini eletrochoque que deixava desacordados os criminosos que tentassem evadir de suas respectivas áreas restritas. Os que tentaram descobriram da pior forma que o chip acionava o alarme na central de monitoramento e antes que alguém pudesse ir longe (neste caso somente com comparsas carregando o preso inconsciente) uma equipe de policiais se locomovia tranquilamente pelos dados do GPS até o fugitivo. Ex-fugitivo. Os custos baixos do sistema foram outro ponto a favor do seu sucesso. Todas as despesas de moradia, alimentação, vestuário e cuidados médico-assistenciais passaram a ser de responsabilidade exclusiva do preso e de sua família. Extinguiu-se o chamado auxílio-reclusão. O Estado centralizou os seus custos nas equipes de cientistas (para aprimoramento e correção dos chips), de médicos neurocirurgiões (para a implantação dos chips) e de monitoramento (policiais treinados para localizar e restabelecer a ordem).
Porém, como todo sistema, o Sentinela não é cem por cento perfeito. Algumas falhas tiveram de ser sanadas de outras formas. Por exemplo, um bandido preso em sua casa ainda poderia fazer mal a quem o visitasse. Isto foi resolvido com a adoção da pintura externa do imóvel do criminoso na cor escarlate. A equipe de monitoramento local era responsável por esta pintura, monitoramento (contra possíveis novas pinturas feitas pelos criminosos) e manutenção. Assim, casas escarlates eram vistas à distância e passaram a ser evitadas pela população. Outro problema que surgiu inicialmente é que o encarcerado poderia reunir-se com seus comparsas em sua própria casa, para o planejamento de outros crimes. A voz do criminoso era monitorada mas as dos demais não. E ele poderia se comunicar facilmente por meio de gestos, escrita ou desenhos. Contudo, longe de ser um problema, se mostrou a solução ideal para capturar os comparsas do preso. Os presos suspeitos de estarem planejando crimes (com informações coletadas não só pela equipe de monitoramento como também por denúncias anônimas premiadas) eram a isca perfeita para atrair e capturar outros criminosos procurados. Depois de um tempo, as casas escarlates também passaram a ser repudiadas pelos criminosos em liberdade.
E é neste ponto que eu entro. Eu, um criminoso em prisão domiciliar. Não me perguntem por quais crimes, basta apenas que vocês saibam que a minha pena era a de prisão perpétua. Ah, eu me esqueci de mencionar que os prazos das penas aumentaram com o novo sistema. Como os custos para o Estado eram os mesmos para se deixar alguém preso por um ano, uma década ou um século, as penas passaram a ser mais pesadas, sem possibilidade de reduções ou cumprimentos parciais. Assim, fui condenado a nunca mais pisar fora da minha porta. Mas nunca mais é um longo tempo para se pensar em uma maneira de fugir.
Antes de tudo, eu precisava ganhar dinheiro. Muito dinheiro, a ponto de poder testar toda e qualquer opção de fuga que surgisse. A maioria dos aprisionados ou era sustentado pelas famílias ou desenvolvia alguma forma de trabalho caseiro. Como eu não tinha família, resolvi experimentar a segunda opção. E eu poderia trabalhar em algo legal ou ilegal. A minha vantagem era que, se fosse pego em outro crime ou tentativa de fuga, a minha pena não aumentaria. Resolvi que me especializaria na modalidade que me trouxesse o máximo retorno em menos tempo. Apostei na bolsa de valores. Especular no mercado de ações se torna fácil quando você não tem mais nada a fazer na vida. Depois de algum um tempo aprende-se antecipar algumas reações dos mercados e lucrar com isso. Depois que se ganha um bom dinheiro, você até mesmo sabe como causar algumas destas reações em proveito próprio. Foi assim que consegui meu primeiro milhão. E o segundo. E o décimo. Sempre anônimo, utilizando-me dos subterfúgios naturais de utilizar empresas e pessoas de fachada. Porém, tudo legal aos olhos da lei. A primeira fase de meu plano de fuga estava concluída em apenas três anos. Eu passei a ter tudo o que o dinheiro pode comprar: bebidas, mulheres, empregados, mudei para uma casa maior, com equipamentos caros, sauna, piscina e academia. Mesmo assim, faltava o que eu mais almejava, minha liberdade. Eu morava em uma mansão escarlate, mas já estava ficando cansado daquela cor.
Como tudo o que consegui fora utilizando meios lícitos, o Estado não podia interferir. Eis a minha primeira lição de fuga. Use o sistema a seu favor. Por isso, contratei uma equipe de advogados para revisar o meu caso e encontrar brechas não só em meu processo original como também nas características da prisão domiciliar e nas hipóteses de fuga. Se elas existissem, eu saberia. Em seguida, me tornei um especialista no Sentinela. A primeira ideia que me surgiu foi tentar bloquear o sinal GPS. Adquiri facilmente um bloqueador de sinal e pedi para meu capataz testá-lo por cinco segundos. Foram alguns minutos desacordado. A perda do sinal acionava o eletrochoque do chip. Fui atrás de neurocirurgiões que conhecessem as técnicas de implantação e remoção. Eram informações sigilosas, pois os profissionais que faziam isso eram monitorados pelo governo, tive de ameaçar, sequestrar e subornar alguns deles para juntar as peças do quebra-cabeças. Em pouco tempo eu tinha o esquema da localização do chip dentro da minha cabeça e descobri que era impossível de ser removido. O material biosintético do Sentinela tornava-se parte do cérebro do indivíduo três meses após a implantação. Mesmo após o cumprimento da pena, os libertos continuavam com os chips até o fim da vida. Apenas era desligado o dispositivo do eletrochoque. Caso reincidissem no crime, bastava religar. O procedimento era feito por meio de uma ordem judicial à multinacional público-privada detentora da patente do Sentinela. Foi onde aprendi a minha segunda lição de fuga: se uma corrente te prende, explore todos os seus elos até encontrar o mais fraco e se concentre nele. Eu, multimilionário anônimo da bolsa, especulador profissional, passei a atacar agressivamente a Sentinela S.A. Os meus advogados haviam levantado os casos, de pouca repercussão na mídia, em que presos haviam morrido por mau funcionamento no chip. O sinal GPS poderia falhar e o eletrochoque constante causava lesões cerebrais. Iniciei uma campanha feroz na mídia com defensores dos direitos humanos contra o Sentinela. A revolta pública com as mortes e falhas do chip fizeram as ações despencar. Até mesmo o governo vendeu as suas ações da empresa, tentando livrar-se da responsabilidade civil. Não preciso dizer que virei sócio majoritário da empresa em pouco tempo. Na verdade, sócio unitário, com acesso e controle a todos os chips Sentinela. O meu era o número 46532-AZD e, por uma falha no sistema de backup, devidamente comprovada por documentação técnica, acabou sendo deletado do banco de dados da empresa.
Em seguida, tratei de reerguer a empresa, afinal, quem derruba é capaz de ajudar a levantar. Saí do anonimato, surgindo como o novo rosto redentor da Sentinela S.A. e, com a devida cobertura midiática patrocinada, fui visto pagando indenizações generosas as famílias das vítimas do chip, e redobrando as pesquisas que garantiam a eficiência do chip Sentinela 2.0. Tratei de corrigir todas as falhas do Sentinela que eu mesmo vim a conhecer e me aproveitar. A confiança popular, como uma onda que havia ido, retornou. Os contratos governamentais foram renovados. Me tornei o modelo de empresário de sucesso. Além da Sentinela S.A., hoje sou dono das redes de televisão Mundial e Telebra, de hotéis, cassinos, transportadoras, empresas aéreas, de telecomunicações, dentre outras tantas.
E é por isso que estou aqui, agora, ao vivo em cadeia nacional, contando corajosamente a minha história a todos vocês, para demonstrar o quanto eu estou sendo honesto. E é por isso que peço o seu voto para a Presidência da República nas eleições que ocorrerão no próximo fim de semana. Pensem: se eu consegui fazer tudo isso por mim com poucas chances, o que eu não faria por vocês e pelo nosso país, estando no comando pleno dele?
Não votem em quem precisa roubar: eu não preciso, sou rico.
Não votem em quem tem limitações para pensar e agir: eu sou um visionário, sei como o sistema funciona e como mudá-lo.
Não votem em um corrupto que será um mero marionete: eu sou marionetista.
O que me traz de volta à pergunta inicial: o que faz um monstro aprisionado em sua caverna? Ele se adapta. Ou adapta a caverna.
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