Papo de boteco: medo de amar


Quinta-feira. Fim de tarde. Dois amigos se encontram para o tão merecido chope da Happy Hour. O solteiro e o casado. Este fala sobre as gastanças da esposa, mostra a filha no novo papel de parede do celular e sobre o dinheiro que não dá para as contas. Aquele conta sobre a mulher que levou para a cama ainda no primeiro encontro que tiveram sábado passado, sobre a carga horária puxada na pós-graduação e sobre o dinheiro que não dá para as contas. Ambos conversam sobre a colocação de seus times no Brasileirão, sobre os planos para o próximo feriadão, sobre não votarem na Dilma mesmo não tendo opções melhores. A conversa é interrompida pelo celular do solteiro. Número desconhecido. O casado observa calado só um dos lados da conversa.

- Oi.

- Quem está falando?

- Foi ela quem te pediu para me ligar?

- Rosalva, certo? Bem, Rosalva, em primeiro lugar isso não é assunto seu. Eu não quero nunca mais falar com ela. Para mim, ela morreu. Ponto final. Por isso, peça para que ela não me procure mais, será melhor para nós dois continuarmos vivendo as nossas vidas e esquecer o que passou. E não me ligue mais, se você é amiga dela fale com ela e não comigo. Convença ela que eu sou um crápula, um cafajeste, um ordinário. Diga o que for preciso para que ela pare de me ligar. Acabou. Eu só volto a falar com ela depois que ela beber um vidro de veneno.

- Obrigado pelo aviso, mas tchau.

O casado, até então em silêncio, depois de ter-se adiantado no chope mais que o amigo, pede mais um e comenta:

- Cara, tenho dó dessas meninas que você pega. Depois de uma ligação dessas eu me matava no lugar dela.

- Vai ser mais fácil para ela me esquecer se me odiar.

- Essa não era aquela mulata que te vi dias atrás?

- Ela pediu para uma amiga ligar, já que eu não atendo mais as ligações dela depois da nossa última briga.

- Mas o que foi que aconteceu? O que ela fez?

- Nada.

- Como assim “nada”? E você fala tudo aquilo sem ela ter feito nada para você?

- É. Inclusive eu sou totalmente apaixonado por ela, por isso terminamos.

- Meu amigo, acho que já bebi de mais, não estou conseguindo acompanhar a sua lógica.

- É bem simples, deixe-me explicar: toda vez que percebo que estou gostando pra valer de uma garota, termino com ela. Faço isso antes dela terminar comigo e me magoar.

- Caralho!

- Caralho uma ova! Você já passou pela situação de gostar de uma mulher ao ponto de não imaginar a sua vida sem ela e a desgraçada te abandonar como se você fosse uma bijuteria que ela cansou de usar? Pois bem, eu já. Foi antes da gente se conhecer. Minha primeira namoradinha séria me sacaneou de tal forma, me magoou de um jeito tão dolorido, que jurei nunca mais passar por aquele sentimento novamente. Assim, desde então, termino antes que a moça me sacaneie. E como bônus, fico só com lembranças dos bons momentos que passei com ela. Dar um pé na bunda de alguém dói bem menos que levar um.

- Você é um sádico. Nunca pensou no sofrimento que estas garotas passam por causa dessa tua filosofia?

- Sim, mas nunca termino simplesmente por terminar. Sempre armo alguma estratégia que a leve a pensar que foi por algo errado que ela fez. Faço ela evoluir, pois no próximo relacionamento em que entrar, ela vai tomar cuidados adicionais em não repetir o pretenso erro. E também não vai ficar tão dependente assim de outra pessoa, pois ninguém deveria ficar. Tudo o que temos na vida é fugaz. Se você olhar, no fundo estou prestando um serviço, fazendo um favor pessoal a elas e aos futuros namorados delas.

- Sei, só você mesmo para pensar assim. Seu misógino! Mas, me conta, e se alguma delas realmente fizerem o que você falou e tomarem veneno? Como você se sentiria com isso?

-Ficaria normal. Não vou me abalar por causa das atitudes idiotas dos outros. Aliás, uma delas já chegou a fazer… por que você acha que sugeri justamente isso?

Desafio proposto no Duelo de Escritores de 11.10.2010, com o tema traição.

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