A Garota que Odiava Vinícius
“É ela uma menina
Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do meu amor em solidão.”
Vinícius de Moraes, poeta, dramaturgo e músico brasileiro de renome internacional. E um enorme filho da puta. Era o que a garota pensava enquanto caminhava até a escola naquela manhã fria. Sim, ele era o maior idiota de todos os tempos. Imbecil. Cabeça-dura. Babaca. Como ele podia ser tão mau? Como ele podia ter se casado nove vezes com outras piriguetes e nem sequer trocado um flerte com ela? Era imperdoável que o primeiro homem a conquistar o seu coraçãozinho inocente, a fazê-la sonhar acordada com o sexo oposto, a seduzi-la a fazer qualquer coisa que ele desejasse, tivesse falecido dezessete anos antes dela nascer. Ninguém deveria se apaixonar, era um inferno, uma droga, concluíra. Ainda mais por alguém romântico, boêmio, talentoso, famoso e morto.
“Eis que os arautos
Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
Para cantar seus réquiens e os falsos profetas
A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.”
Entrou cabisbaixa na sala de aula. Aprendera a resignar-se, a padecer todo dia o mesmo tédio, a suportar paulatinamente os mesmos garotos infantis, as mesmas colegas triviais, os mesmos professores chatos, as mesmas matérias chatas, a mesma vida, dia após dia após dia, chata. Amigos parecia não ter. Sofria a maldição lançada por Vinícius. Fora ele quem revelara que a sua existência era incolor, insípida e inodora. Não havia colorido algum em se morar em uma pequena cidade hipocritamente conservadora e religiosa do interior do interior de Goiás. Sem livrarias, sem cultura, sem arte. Sabor algum ao se sentir uma completa alienígena por não compartilhar os mesmos gostos dos de sua geração. Sertanejo universitário, festas de peão, viva la vida loka. Nem sentir o aroma relaxante ou revigorante de ser plenamente amada e compreendida pelos pais e irmãos. Não saia, não namore, não exista.
“Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
Em rodopios nítidos
Criando vácuos onde morrem as aves.
Seu corpo, pouco a pouco
Abre-se em pétalas... Ei-la que vem vindo
Como uma escura rosa voltejante
Surgida de um jardim imenso em trevas.”
A aula termina. O dia termina. Tudo termina; é inevitável que até mesmo o desânimo termine. Ela odeia Vinícius. Mas ela também o ama. Nesta complexa relação bipolar sabe que ele alterou drasticamente o seu futuro e que não há mais volta. Ela não se contentará com nada menos que o melhor. Ser dona de casa? Será dona de várias. Morar em cidade pequena? Ela não cabe mais ali. Manter os pés no chão? Só quando não estiver voando. Continuar a ler Vinícius? Nunca mais, agora ela será Vinícius!
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