O Historiador, de Elizabeth Kostova

Você já leu Drácula, de Bram Stoker? Note que disse leu, e não assistiu, porque são duas coisas bem diferentes. Por exemplo, enquanto no livro você percebe a crítica que o autor fez ao choque entre duas culturas da época, a inglesa com sua racionalidade e avanços tecnológicos e a do Leste Europeu, supersticiosa, cheia de tradições e mistérios sobrenaturais, nos filmes a única preocupação aparente é mostrar caninos enormes que assustem os telespectadores.

Mas o que tem a ver Drácula com O Historiador? A resposta em uma só palavra é: Tudo. Elizabeth Kostova mescla o real Conde Vlad III, o Empalador, que reinou na Valáquia no século XV, com o personagem vampiresco criado por Stoker (também baseado em Vlad III). As comparações deixam dúvidas sobre quem seria mais cruel, se o personagem real ou o fictício. São relacionadas lendas e tradições locais da Bulgária, Romênia, Hungria, Turquia e até da Grécia referentes aos vampiros, bem como pesquisas históricas nesses países sobre o papel de Vlad Drácula, e os espaços em branco entre a realidade e a ficção são preenchidos com uma imaginação majestosa. Achei realmente impressionante Kostova conseguir imitar até o estilo de escrita de Stoker em vários aspectos, por exemplo, deixando o seu livro parecendo um reunido de correspondências (cartas, diários, bilhetes etc.) entre os personagens da trama.

A história conta como uma jovem de dezesseis anos encontra um livro antigo com uma figura de dragão na biblioteca de seu pai, em Amsterdã. A partir daí, a narração se desenvolve principalmente em três diferentes épocas: 1972, 1952 e 1930. As descrições de particularidades de uma cidade ou país conforme o ano narrado, com sua política, cultura, geografia e até seus problemas pertinentes nos fazem viajar no tempo. As descobertas feitas por personagens diferentes e em lugares e ocasiões diferentes envolvendo o mesmo mistério encaixam-se como peças num imenso quebra-cabeça, impossível ser completado por uma só pessoa. A saga da viagem em busca de um ente querido é repetida algumas vezes, talvez devido ser utilizada desde os clássicos gregos com sucesso.

Só tive duas impressões ruins do livro, mas talvez estas tenham sido copiadas também da obra de Stoker. A primeira é que ele poderia ter sido escrito com muito menos páginas. Em alguns trechos parece estar simplesmente enrolando, e causa um pouco de tédio. A passagem é demasiada lenta entre alguns fatos importantes. A segunda é justamente no confronto final que é muito curto e relativamente fácil. Para um livro repleto de descrições detalhadas e um personagem com tamanha força, o desfecho merecia um pouco mais de atenção. Mas é só o que tenho a criticar.

As impressões positivas são muito maiores. Uma delas é que a autora vai melhorando nitidamente seu senso de humor ao final do livro. Outra é o clima de tensão, de mistério, de estar sendo seguido e observado durante toda a história e que deixa uma sensação idêntica no leitor. As descrições de culturas com as quais não estamos acostumados no ocidente, bem como a de locais bastantes exóticos, é uma aula completa de turismo. Assim como em O Código Da Vinci, ele provavelmente será usado como guia por alguns leitores viajantes. E não é somente esta coincidência que encontramos entre O Historiador e o O Código Da Vinci: a existência de uma sociedade secreta, a árvore genealógica perdida de um personagem histórico conhecido e o clima de seguir pistas deixadas em obras antigas deixam uma impressão de déjà vu para quem ler ambas as obras.

A lição essencial do livro é a de como a maldade humana pode ser medida tanto através de suas obras literárias quanto de suas ações para com o próximo. Se existe um monstro capaz de tirar a vida de outros – às vezes de forma cruel – para satisfazer os seus desejos, este é o homem. A história não mente sobre isso. Outra surpresa que o leitor atento irá ter – esta mais agradável – está relacionada ao título da obra. Ao final da história, passa-se a ter uma nova visão sobre o que ele significa.

Se você deseja ler O Historiador, recomendo antes a leitura de Drácula, não por ser essencial ao entendimento, mas para dar um colorido a mais em sua viagem. A obra é uma ficção histórica, um gênero já bastante divulgado por Dan Brown e Irving Yalom, por misturar fatos e pessoas reais à ficção. Mas poderia se encaixar perfeitamente em terror, pois em alguns trechos consegue fazer você ter arrepios ou pesadelos, mais até que os livros de Stephen King.

título: O Historiador (The Historian)
resenha em: Shvoong.com LeiaLivro
leitura em: Janeiro/2007
próximo da lista: Bhagavad Gîtâ - A Mensagem do Mestre





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edit 23/01/2007: Com a resenha que fiz do livro ganhei o 2º livro do Projeto Leia Livro. Escolhi o Como atirar vacas no precipício, de Alzira Castilho.

Comentários

  1. Adorei o seu artigo! Já linkei o seu blog ao meu Ler e Refflectir.
    Boas leituras!

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  2. Olá, que legal a gente se conhecer nesse não-lugar que é a internet. Fique lisonjeada de você ter linkado meu blog. Como deve ter percebido, ele não é totalmente literário. Falo de muitas coisas, daquelas que acontecem ao meu redor. Vou linkar seu blog no meu logo que possível, pois ele está dando um probleminha hoje, acho que porque ainda estou em transição para a fase beta do blogger.

    Valeu!

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  3. Olá Jefferson! Sua resenha ficou ótima, com mais informações, deixando-a ainda mais rica, sem falar na sua impressão pessoal sobre a obra que é o que mais vale numa resenha. Parabéns!

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  4. Bom dia, Grande Jeff. Para começar, você deu um banho em sua resenha! Parabéns. Nem se compara com o que eu fiz sobe o livro de Kostova. Enquanto dou uma nota cinco pra minha, a sua tem um oito e meio, garantido. Você leu esse livro com muito mais paixão do que eu. Você se divertiu muito mais. Acho admirável o desprendimento do leitor por uma obra. Um livro custa muito menos para alguém como você, pois a imersão no texto é muito mais completa e prazerosa. Eu tenho um sério problema por ser crítico demais. Perco coisas boas por me ater em detalhes, e (confira lá na minha resenha) me perco no sarcasmo! Tudo vira piada e tudo fica deslocado quando um livro começa a ficar aquém do que esperava dele. Acabo eu próprio fazendo uma construção do texto que quero compartilhar com os outros, quando deveria ser o contrário. Resenha, é o que você fez aqui, não o que eu fiz sobre O Historiador. Grande abraço e me diz aí onde mais tem resenha sua que quero ver. Feliz 2007.

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  5. Obrigado pelo comentário, Álvaro. Ser crítico e ter sarcasmo é bom, mas em demasia O Ministério da Saúde adverte que pode causar úlceras no esofago. Hehe, bricadeira, viu. Eu também já fui assim, meio exagerado, mas com o tempo vamos aprendendo na vida (tem uns que ela ensina em supletivo) a dosar nossas qualidades com nossos defeitos. Pra mim, isso é que nos transforma no que somos, a soma do que há de bom e do que há de mau em nós. Em essência, todos são capazes de ser melhores ou piores, basta ter consciência e vontade para mudar. Se você consegue fazer uma auto-crítica (se for pública conta mais 3 pontos) com bom humor, já está mais avançado do que aqueles que não conseguem. Resenhas, no meu blog que aparece na página ou aqui no LL. Discussões sobre livros que você leu são bem-vindas. Abraços.

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