A gente se acostuma com o fim do mundo, de Martin Page
O reconfortante, no trabalho, é o fato de que, por algumas horas, deixamos de ser nós mesmos. Ali não se trata do nosso corpo, do nosso sangue; entregamo-nos aos objetivos do empregador. O trabalho é outra forma de sonhar, um estado de inconsciência, como o do sono. (19)
A gentileza, se usada com habilidade, continua a ser o mais eficaz dos lubrificantes desenvolvidos pela indústria relacional. (22)
Não se deve confiar nas pessoas que têm medo da solidão, pois elas, na verdade, nunca estão realmente sós. Usam de vários expedientes para preencher com homens, mulheres ou álcool o vazio de sua imaginação. Ignoram que, na verdade, a solidão não pode ser preenchida. Ela não tem fundo. De nada serve fugir dela. A solidão é uma amante que precisa que lhe sejamos infiéis. (35)
Há uma diferença entre conhecer a verdade e ouvi-la da boca de alguém. Quando a conhecemos interiormente, nós a mimamos, cuidamos dela, transformando-a num animal doméstico. Nós a cobrimos com cobertores, damos carinho e corrompemos com todas essas guloseimas produzidas dentro de nossas cabeças. Também a cantarolamos, pois ela não passa de uma canção que nos ajuda a lamentar o nosso próprio destino. Mas o melhor serviço que os nossos conhecidos podem nos prestar é mostrar-nos aquilo que já sabemos. (43)
A forma mais elevada de filosofia é aquela que nos ensina a variar os nossos erros. Não podemos deixar de nos enganar. Enquanto não formos digitalizados no disco rígido de algum computador ou impressos no livro de algum filósofo, nunca seremos seres bons e perfeitos, não aplicaremos os ensinamentos da razão e da verdade. É preciso assumir que sempre iremos nos enganar, mas que pelo menos tentaremos ter criatividade em nossos erros e variar constantemente a sua natureza. (132)
A realidade perde de longe da ficção em matéria de verossimilhança. (165)
Ninguém é realmente infeliz quando não sabe o que é a felicidade. (176)
Como acontece com o coração, também o nosso apartamento é decorado com a pessoa que amamos. Ela combina com a cor das cortinas e do tapete. E, quando desaparece, as paredes se descoram; fica faltando aquela camada fina de cera sobre os móveis e algum perfume no ar. (184)
Não se devia achar o verdadeira amor tão cedo assim. Porque acabamos estragando tudo e nem nos damos conta, por inabilidade e arrogância. Só devíamos nos apaixonar depois dos quarenta anos. A juventude não entende nada de sentimentos, acha que ama, mas não faz mais do que representar cenas de sitcom. O amor requer maturidade e inteligência, duas qualidades que não podemos ter antes de conhecer o que é a solidão e o azedume do tempo que passa. Que os jovens se divirtam, mas não finjam amar, pelo amor de Deus, deixem isso para quem já viveu. (192)
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