Ilha da Magia
Eles vão ver, eles vão ver, era o que o homem repetia para si enquanto a chuva assolava violentamente o barraco pelo lado de fora. Depois de semanas de trabalho, finalmente estava pronto para dar o próximo passo. Demorara tempo demais para pensar em algo grandioso, mas valeu a pena. Um relâmpago iluminou a janela riscando o céu escuro. O homem pensou que faltava somente uma risada sinistra para completar o quadro. Um maluco metido a feiticeiro moderno já havia. Uma bomba caseira de destruição em larga escala, recém montada em cima da mesa, também. E, para finalizar, um plano totalmente insano: explodir o prédio do Fórum da Comarca de Florianópolis.
Poderia justificar tal atrocidade como sua a vingança pessoal pela prisão injusta no final de 2010, como suspeito, acusado e culpado, ou somente como bode expiatório, da morte de um grã-fino que sequer sabia o nome. Ou ainda poderia dizer que fora por causa do circo jurídico que montaram para incriminá-lo. Ou por causa dos meses que sofreu nas mãos dos companheiros de cela. Mas não. Faria pelo simples prazer de ser mau. A sociedade o transformara na pior espécie de homem, e agora ele iria mostrar a sua nova cara.
Quantas noites insones tivera tentando entender a morosidade intencional da Justiça (que piada!) para se resolver o equívoco de o prenderem enquanto voltava de uma festa. Uma festa em que estivera trabalhando por doze horas, e que o patrão preferiu não se manifestar certamente para não precisar pagar as duas últimas semanas que lhe devia. Não teve chance de contatar a família, pois viera de longe fascinado pela promessa de ganhar dinheiro trabalhando como temporário nas festas de fim de ano da ilha. Enfim, foi o idiota certo na hora certa e no lugar certo para ser fodido enquanto o verdadeiro culpado saia ileso. O advogado nomeado para defendê-lo gratuitamente nem competência ou vontade para um habeas corpus teve. Foi jogado em uma cela com gente que nunca antes chegara a conviver por ser homem honesto, trabalhador e pobre. Pelo menos ali dentro estava entre homens verdadeiros, todos queriam ferrá-lo e não escondiam suas intenções. Brigou e apanhou todos os dias durante oito meses, mas ninguém comeu o seu cu. Adaptou-se. Fez amizade com assassinos, traficantes, estupradores, maníacos e outros profissionais tão benquistos no ramo da bandidagem. Sabia que seria esquecido ali ou até mesmo assassinado para queimá-lo como única prova viva de que alguém importante saíra impune no crime que lhe fora imputado. Quando soube que alguns traficantes planejavam uma fuga em massa, não hesitou.
Foi um dentre as dezenas que escaparam do Complexo Penitenciário. Vinte e seis de junho de dois mil e onze. Sua nova data de aniversário. Enquanto a maioria dos fugitivos corria para o Morro do Horácio, e levava assim toda a polícia atrás, ele preferiu separar-se do grupo e esconder-se sozinho na tubulação de esgoto. Os policiais limpinhos e seus vira-latas tratados a ração não iriam entrar na merda para procurar só um fugitivo. Percebeu que o seu plano dera certo quando atravessou todo o Bairro Trindade e saiu longe do cerco policial. A noite ajudou a passar como mendigo por muitos que nem sabiam da fuga. Em outra época, teria sentido frio na barriga, aquela adrenalina e medo por ser capturado. Mas não agora. Agora o que sentia era raiva no seu estado mais puro e belo. Raiva de um sistema que o tratou como lixo e de quem iria à forra, embora ainda não soubesse como.
Andou uma eternidade até o Morro da Cruz. Escolheu um barraco que fosse afastado das outras casas, mas com eletricidade e antena de TV. Invadiu e matou a velha que estava só, dormindo no sofá. O seu plano era esconder-se durante o dia e sair à noite quando se acostumasse com a região. Enterrou o corpo no quintal numa madrugada. Por sorte, a despensa da velha tinha comida para um bom tempo. E ninguém apareceu para incomodar. Ela deveria ser sozinha, como ele. Pior pra ela.
Enquanto sua raiva maturava, foi justamente a TV quem lhe trouxe a solução: um norueguês maluco havia explodido uma bomba e matado muitas pessoas para passar sua mensagem. Um sorriso surgiu na sua face, era exatamente o que iria fazer, e já sabia contra quem. Explodiria todo o prédio e os calhordas que se autoproclamavam defensores da justiça. Havia aprendido o básico para fazer bombas na prisão. Conseguiu um carro chamando um táxi para as imediações. A velhinha não ficaria mais sozinha em sua cova. Os explosivos roubou em uma empresa de detonações em Palhoça. E agora ali estava, admirando a sua obra-prima, que lhe resgataria um pouco da dignidade perdida. Foi quando sentiu a tempestade piorar. Resolveu pegar o pacote para guardá-lo no carro, mas sentiu o chão ceder sob seus pés. A última coisa que viu foi um clarão em suas mãos. O barulho da explosão confundiu-se pela vizinhança com os trovões. No local onde antes havia um barraco, restara apenas um monte de escombros fumegantes. Por pouco tempo, pois o deslizamento provocado pelas chuvas varreu o que restava dos escombros, membros humanos e sentimentos de ira e vingança.
Poderia justificar tal atrocidade como sua a vingança pessoal pela prisão injusta no final de 2010, como suspeito, acusado e culpado, ou somente como bode expiatório, da morte de um grã-fino que sequer sabia o nome. Ou ainda poderia dizer que fora por causa do circo jurídico que montaram para incriminá-lo. Ou por causa dos meses que sofreu nas mãos dos companheiros de cela. Mas não. Faria pelo simples prazer de ser mau. A sociedade o transformara na pior espécie de homem, e agora ele iria mostrar a sua nova cara.
Quantas noites insones tivera tentando entender a morosidade intencional da Justiça (que piada!) para se resolver o equívoco de o prenderem enquanto voltava de uma festa. Uma festa em que estivera trabalhando por doze horas, e que o patrão preferiu não se manifestar certamente para não precisar pagar as duas últimas semanas que lhe devia. Não teve chance de contatar a família, pois viera de longe fascinado pela promessa de ganhar dinheiro trabalhando como temporário nas festas de fim de ano da ilha. Enfim, foi o idiota certo na hora certa e no lugar certo para ser fodido enquanto o verdadeiro culpado saia ileso. O advogado nomeado para defendê-lo gratuitamente nem competência ou vontade para um habeas corpus teve. Foi jogado em uma cela com gente que nunca antes chegara a conviver por ser homem honesto, trabalhador e pobre. Pelo menos ali dentro estava entre homens verdadeiros, todos queriam ferrá-lo e não escondiam suas intenções. Brigou e apanhou todos os dias durante oito meses, mas ninguém comeu o seu cu. Adaptou-se. Fez amizade com assassinos, traficantes, estupradores, maníacos e outros profissionais tão benquistos no ramo da bandidagem. Sabia que seria esquecido ali ou até mesmo assassinado para queimá-lo como única prova viva de que alguém importante saíra impune no crime que lhe fora imputado. Quando soube que alguns traficantes planejavam uma fuga em massa, não hesitou.
Foi um dentre as dezenas que escaparam do Complexo Penitenciário. Vinte e seis de junho de dois mil e onze. Sua nova data de aniversário. Enquanto a maioria dos fugitivos corria para o Morro do Horácio, e levava assim toda a polícia atrás, ele preferiu separar-se do grupo e esconder-se sozinho na tubulação de esgoto. Os policiais limpinhos e seus vira-latas tratados a ração não iriam entrar na merda para procurar só um fugitivo. Percebeu que o seu plano dera certo quando atravessou todo o Bairro Trindade e saiu longe do cerco policial. A noite ajudou a passar como mendigo por muitos que nem sabiam da fuga. Em outra época, teria sentido frio na barriga, aquela adrenalina e medo por ser capturado. Mas não agora. Agora o que sentia era raiva no seu estado mais puro e belo. Raiva de um sistema que o tratou como lixo e de quem iria à forra, embora ainda não soubesse como.
Andou uma eternidade até o Morro da Cruz. Escolheu um barraco que fosse afastado das outras casas, mas com eletricidade e antena de TV. Invadiu e matou a velha que estava só, dormindo no sofá. O seu plano era esconder-se durante o dia e sair à noite quando se acostumasse com a região. Enterrou o corpo no quintal numa madrugada. Por sorte, a despensa da velha tinha comida para um bom tempo. E ninguém apareceu para incomodar. Ela deveria ser sozinha, como ele. Pior pra ela.
Enquanto sua raiva maturava, foi justamente a TV quem lhe trouxe a solução: um norueguês maluco havia explodido uma bomba e matado muitas pessoas para passar sua mensagem. Um sorriso surgiu na sua face, era exatamente o que iria fazer, e já sabia contra quem. Explodiria todo o prédio e os calhordas que se autoproclamavam defensores da justiça. Havia aprendido o básico para fazer bombas na prisão. Conseguiu um carro chamando um táxi para as imediações. A velhinha não ficaria mais sozinha em sua cova. Os explosivos roubou em uma empresa de detonações em Palhoça. E agora ali estava, admirando a sua obra-prima, que lhe resgataria um pouco da dignidade perdida. Foi quando sentiu a tempestade piorar. Resolveu pegar o pacote para guardá-lo no carro, mas sentiu o chão ceder sob seus pés. A última coisa que viu foi um clarão em suas mãos. O barulho da explosão confundiu-se pela vizinhança com os trovões. No local onde antes havia um barraco, restara apenas um monte de escombros fumegantes. Por pouco tempo, pois o deslizamento provocado pelas chuvas varreu o que restava dos escombros, membros humanos e sentimentos de ira e vingança.
Nossa, mexeu comigo. Muitos sentimentos apareceram durante a leitura: eu ri, agoniei e quase chorei, cara. (Suspiro). Um dos melhores. (Day)
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