Astolfo, o ovo
Ajeitei-me até encontrar uma posição confortável na poltrona do cinema. A sala estava do jeito que eu gostava, vazia. Mesmo chegando alguns minutos atrasado, a projeção não havia começado. Observei as mudanças que o cinema sofreu desde a primeira vez em que assisti a uma sessão. A tecnologia é mesmo uma coisa surpreendente. Foi quando as luzes se apagaram. O filme começou.
- Oi, Jaiminho, o que é isso que você tem embaixo do braço?
- Oi, turma, isso é um ovo de dragão.
- Uau.
- Oh.
- Sério, Jaiminho? Tá mais parecendo um coco verde.
- Eu sei, Renato, também pensei isso. Mas fui perguntar ao meu avô o que era e ele me disse que esse é um legítimo ovo de dragão.
- Aquele seu avô que tempos atrás falou para nós que jogava cartas com E.T.s quando morava em Varginha?
- É.
- Aquele seu avô que disse que existe uma cidade embaixo do mar chamada Atlântida e mostrou o lugar no mapa mundi?
- É.
- Ok, aquele seu avô é legal, agora eu acredito que é um ovo de dragão. Mas o que vamos fazer com ele?
- Bem, eu estava pensando em cuidar dele. Já pensou se nasce um filhotinho de dragão? O vô me falou que assim que ele nascer vai acreditar que a primeira pessoa que ele ver é a mãe dele.
- Legal.
- Bacana.
- Show.
- E que nome você vai dar pra ele?
- Astolfo, em homenagem ao meu avô.
- Show.
- Bacana.
- Legal.
As cenas seguintes mostram os garotos em várias brincadeiras junto com o ovo verde. Quando se fantasiam de pirata, vestem-no com um chapéu e um tapa-olho. Quando andam de bicicleta, revezam-se em levá-lo na cestinha ou amarrado na garupa. Ao brincarem de esconde-esconde, pique, polícia e bandido e até de rolar na grama, Astolfo sempre está presente. Fica claro que ele tornou-se um elo entre os meninos, um segredo compartilhado e uma responsabilidade do grupo. Até a cena em que aparecem todos reunidos no quarto de um deles. Estão tristes. Apenas dois ausentes.
- Isso não podia ter acontecido.
- Vou sentir falta deles.
- Como o Jaiminho pôde fazer isso com a gente? Pensei que éramos amigos.
- Eu também queria ver o Astolfo nascendo. O Jaime não tinha o direito de fugir com o dragão sem mostrar antes para a gente. Isso foi muita trairagem.
- Foi sim.
- Quando eu fui lá na casa dele saber mais detalhes, vi que os pais dele também estavam muito tristes. Nem quiseram falar comigo, a mãe dele só chorou quando me viu. Se não fosse o seu Astolfo me chamar em um canto e me contar toda história estaríamos agora sem saber de nada.
- Aonde será que o Jaiminho estará agora voando nas costas do dragão?
- Talvez já tenha chegado lá no Reino dos Dragões. O seu Astolfo contou que os dragões nascem com uma memória geográfica e que sempre migram para a lua logo após nascerem. Talvez no próximo verão o Jaiminho volte com o dragão. Mas daí eu não vou deixar ele voar sem me levar junto.
- Eu também não.
- Nem eu.
A próxima cena mostra um velho sozinho, sentado em sua cama, chorando enquanto segura em suas mãos um coco. A tela escurece lentamente.
As luzes do cinema se acendem e vejo o diretor caminhar lentamente até mim. Perguntou se a adaptação daquela cena havia ficado satisfatória. Sim, eu respondi. Melhor que a da minha memória. Somente muito tempo depois é que fui entender o que realmente havia acontecido. Mas até chegar a esta compreensão, sempre olhava pela janela nas noites de luar e jurava ter visto uma grande sombra voando bem alto.
- Oi, Jaiminho, o que é isso que você tem embaixo do braço?
- Oi, turma, isso é um ovo de dragão.
- Uau.
- Oh.
- Sério, Jaiminho? Tá mais parecendo um coco verde.
- Eu sei, Renato, também pensei isso. Mas fui perguntar ao meu avô o que era e ele me disse que esse é um legítimo ovo de dragão.
- Aquele seu avô que tempos atrás falou para nós que jogava cartas com E.T.s quando morava em Varginha?
- É.
- Aquele seu avô que disse que existe uma cidade embaixo do mar chamada Atlântida e mostrou o lugar no mapa mundi?
- É.
- Ok, aquele seu avô é legal, agora eu acredito que é um ovo de dragão. Mas o que vamos fazer com ele?
- Bem, eu estava pensando em cuidar dele. Já pensou se nasce um filhotinho de dragão? O vô me falou que assim que ele nascer vai acreditar que a primeira pessoa que ele ver é a mãe dele.
- Legal.
- Bacana.
- Show.
- E que nome você vai dar pra ele?
- Astolfo, em homenagem ao meu avô.
- Show.
- Bacana.
- Legal.
As cenas seguintes mostram os garotos em várias brincadeiras junto com o ovo verde. Quando se fantasiam de pirata, vestem-no com um chapéu e um tapa-olho. Quando andam de bicicleta, revezam-se em levá-lo na cestinha ou amarrado na garupa. Ao brincarem de esconde-esconde, pique, polícia e bandido e até de rolar na grama, Astolfo sempre está presente. Fica claro que ele tornou-se um elo entre os meninos, um segredo compartilhado e uma responsabilidade do grupo. Até a cena em que aparecem todos reunidos no quarto de um deles. Estão tristes. Apenas dois ausentes.
- Isso não podia ter acontecido.
- Vou sentir falta deles.
- Como o Jaiminho pôde fazer isso com a gente? Pensei que éramos amigos.
- Eu também queria ver o Astolfo nascendo. O Jaime não tinha o direito de fugir com o dragão sem mostrar antes para a gente. Isso foi muita trairagem.
- Foi sim.
- Quando eu fui lá na casa dele saber mais detalhes, vi que os pais dele também estavam muito tristes. Nem quiseram falar comigo, a mãe dele só chorou quando me viu. Se não fosse o seu Astolfo me chamar em um canto e me contar toda história estaríamos agora sem saber de nada.
- Aonde será que o Jaiminho estará agora voando nas costas do dragão?
- Talvez já tenha chegado lá no Reino dos Dragões. O seu Astolfo contou que os dragões nascem com uma memória geográfica e que sempre migram para a lua logo após nascerem. Talvez no próximo verão o Jaiminho volte com o dragão. Mas daí eu não vou deixar ele voar sem me levar junto.
- Eu também não.
- Nem eu.
A próxima cena mostra um velho sozinho, sentado em sua cama, chorando enquanto segura em suas mãos um coco. A tela escurece lentamente.
As luzes do cinema se acendem e vejo o diretor caminhar lentamente até mim. Perguntou se a adaptação daquela cena havia ficado satisfatória. Sim, eu respondi. Melhor que a da minha memória. Somente muito tempo depois é que fui entender o que realmente havia acontecido. Mas até chegar a esta compreensão, sempre olhava pela janela nas noites de luar e jurava ter visto uma grande sombra voando bem alto.
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