Vícios Viciados
Tudo o que eu queria era parar de beber. Juro. Só me esqueci de um detalhe: a bebida às vezes vicia em determinadas pessoas. Sente falta. Procura grupos de apoio, suporte, estas baboseiras todas, mas quando vê fulano pela frente, não resiste a uma recaída e se entrega aos prazeres ébrios novamente.
Eu sou um alcoólatra. Mas juro que queria parar. A bebida é que me persegue. Vou te contar um pouco da minha história e talvez você me dê razão. Se não der, não tem problema, afinal, o problema não é contigo mesmo, né?
Toda tarde depois do expediente, meu caminho de casa passava dentro do Bar do Frank. Ás vezes um ou outro colega de escritório me acompanhava, mas como eu passava lá todos os dias, muitas vezes me via chegando sozinho. Só chegando, pois depois de alguns copos, todos viravam amigos. E depois de vários copos, qualquer amigo momentâneo se multiplicava por três. Enfim, mesmo que chegasse sozinho, ou arrumava três companheiros de pinga ou levava três prostitutas para casa. Mas eu não gostava daquela vida, juro, eu queria mudar.
Foi quando resolvi tentar alguns tratamentos pessoais para largar o vício. Li sobre um tal de tratamento de choque. Consistia em uma superexposição ao vício até que o corpo reagisse a ele com repulsa. Experimentei beber bem mais do que já bebia, não só depois do expediente, mas também passava a noite inteira bebendo e pela manhã, ao ir para o trabalho, comprava uma garrava de vodca, porque não deixa bafo, e bebia ela escondido o dia todo. Não sei porque, ao invés do meu corpo criar repulsa, criou resistência ao álcool. Mais do que resistência, ele passou a tirar todos os nutrientes que precisava da bebida, fazendo com que eu sentisse menos fome ou sono, pois eu vivia em um estado de êxtase constante, como se tivesse energia ilimitada. Com mais tempo de sobra, pois não comia e não dormia, o resultado final da experiência foi que agora eu bebia bem mais que antes. Mas não é o que eu queria, juro.
Como o tratamento de choque não deu certo, tentei o oposto. Solicitei uma semana de férias no serviço para me isolar em um lugar remoto onde não conseguiria encontrar bebida. Planejei tudo, aluguei uma casa em uma chácara abandonada, longe da cidade, comprei mantimentos que durassem uma semana, paguei um táxi para me levar até lá e não levei o celular. Ao entrar na casa, sabia que iria passar o diabo ali dentro até findar a semana. Peguei um livro e uma caixa de bombons e fui ler na varanda. Meu corpo parecia não sentir falta da bebida. O livro estava ótimo, os bombons com gosto bem forte. Peraí, gosto forte? Sem perceber, tinha comprado uma caixa de bombons de rum dinamarquês, de alta gradação alcoólica. Eu até jogaria a caixa fora, mas já havia comido todos. Resolvi ir dormir, mas acho que a casa estava com alguma poeira e comecei a tossir muito, talvez fosse uma reação alérgica. Corri até a despensa da casa e encontrei xarope para tosse, e tomei uma colher. Duas. Três. Virei o vidro todo em um só gole. Surpreso e receoso, olhei a composição química. Não poderia ser. Era marcação comigo. Resolvi sair caminhando a pé pela estrada para espairecer. Era uma estrada deserta e eu caminhava bem no meio da pista. O entardecer era lindo como eu não prestava atenção há tempos. Eu não vi e creio que o motorista do caminhão também não me viu quando dobrou uma curva, e para não me acertar, tombou o veículo a poucos metros de mim. Corri para retirar o homem das ferragens e consegui puxá-lo para um local seguro. Estava inconsciente o pobre homem. Sentado em frente ao veículo acidentado, percebi que era um caminhão de cerveja. Como em uma cena de filme, uma garrafa veio rolando lentamente e parou aos meus pés. Quando os bombeiros chegaram, o caminhão estava vazio. A carga toda tinha desaparecido. E ao invés de ficar uma semana de férias, acabei ficando duas.
Tentei outras táticas ardilosas para me separar da bebida. Ouvi falar que ela deixava os homens broxas. Quem sabe a vergonha diante de uma mulher não me faria parar? Mas não. Depois das maiores bebedeiras acabei tendo os meus melhores desempenhos sexuais. Algumas passaram a me procurar nos botecos trazendo uma garrafa de algo forte. Será que meu amor próprio não ficaria abalado por sair só com mulheres de baixo nível? Que nada, quando comecei a pensar nisso é que percebi a quantidade de universitárias, modelos, estagiárias e tantas mulheres que também procuravam consolo na bebida. E de uma forma ou de outra, sempre acabavam na minha mesa e depois na minha cama.
Um dia resolvi ir para o trabalho completamente embriagado, e levando uma garrafa na mão, para todos verem. Talvez perder o emprego me faria parar. O gerente do meu setor foi avisado. Chegou exatamente quando eu mijava no vaso da recepção que tinha uma velha planta de plástico. Após esperar eu terminar, chacoalhar e me enxugar, me pegou pelos ombros e disse que ele sabia pelo que eu estava passando. A partir daquele momento teria acompanhamento com a psicóloga da empresa e poderia faltar para me curar. Os meus desvios de comportamento seriam tolerados por eu ser uma pessoa doente e deficiente ali dentro, e ninguém estava autorizado a reclamar de mim. Nem mesmo o fariam, pois todos ali me olhavam como se eu fosse a bosta de um exemplo.
Eu já estava ficando sem opções. A minha cartada final foi drástica. Eu estava desesperado. Tive a péssima ideia de me suicidar. Já que eu não conseguia tirar a bebida da minha vida, tiraria a minha vida e com ela a bebida. Preparei tudo com carinho. Liguei para os parentes, me despedi dos amigos, alimentei o gato. Peguei uma faca e fui para o bar. Pedi ao Frank uma dose especial dupla do que ele tivesse de mais forte. Sentado em um canto escuro do bar, depois de virar o líquido que desceu queimando pela garganta, pratiquei o bom e velho harakiri japonês. Enfiei de uma vez a faca em minha barriga. Depois do choque inicial, não senti dor, só as minhas mãos molhadas com o sangue e a minha vista escurecendo lentamente. Fechei os olhos deitado sobre a mesa, olhando o copo vazio me convidando a não abandoná-lo. Acordei em um quarto de hospital. Do meu lado, um homem sorridente de branco me congratulava. A operação havia sido um sucesso. Transplante de fígado. Agora eu tinha um fígado novinho em folha, foi o que disse o médico. Reconheci-o como um dos frequentadores do Bar do Frank.
Foi quando desisti. Parar de beber não era para mim.
Assim que tive alta, voltei ao bar. Pedi uma bebida e fui para o canto em que havia me esfaqueado. Sentei observando o mundo ao redor. Lembro de ter pensado que o universo conspira. Nós é que devemos perceber se contra ou a favor. Foi quando resolvi olhar a minha barriga. Levantei a camisa e olhei os pontos em linha reta. Senti uma mão tocar no meu ombro. A mulher olhava para a minha barriga e depois para mim. Disse que tinha ouvido falar do meu problema com a bebida e que sabia como eu me sentia, que me entendia perfeitamente e queria me apoiar. Sentou-se ao meu lado e disse que tinha o mesmo problema que eu. Só que era com sexo.
Eu sou um alcoólatra. Mas juro que queria parar. A bebida é que me persegue. Vou te contar um pouco da minha história e talvez você me dê razão. Se não der, não tem problema, afinal, o problema não é contigo mesmo, né?
Toda tarde depois do expediente, meu caminho de casa passava dentro do Bar do Frank. Ás vezes um ou outro colega de escritório me acompanhava, mas como eu passava lá todos os dias, muitas vezes me via chegando sozinho. Só chegando, pois depois de alguns copos, todos viravam amigos. E depois de vários copos, qualquer amigo momentâneo se multiplicava por três. Enfim, mesmo que chegasse sozinho, ou arrumava três companheiros de pinga ou levava três prostitutas para casa. Mas eu não gostava daquela vida, juro, eu queria mudar.
Foi quando resolvi tentar alguns tratamentos pessoais para largar o vício. Li sobre um tal de tratamento de choque. Consistia em uma superexposição ao vício até que o corpo reagisse a ele com repulsa. Experimentei beber bem mais do que já bebia, não só depois do expediente, mas também passava a noite inteira bebendo e pela manhã, ao ir para o trabalho, comprava uma garrava de vodca, porque não deixa bafo, e bebia ela escondido o dia todo. Não sei porque, ao invés do meu corpo criar repulsa, criou resistência ao álcool. Mais do que resistência, ele passou a tirar todos os nutrientes que precisava da bebida, fazendo com que eu sentisse menos fome ou sono, pois eu vivia em um estado de êxtase constante, como se tivesse energia ilimitada. Com mais tempo de sobra, pois não comia e não dormia, o resultado final da experiência foi que agora eu bebia bem mais que antes. Mas não é o que eu queria, juro.
Como o tratamento de choque não deu certo, tentei o oposto. Solicitei uma semana de férias no serviço para me isolar em um lugar remoto onde não conseguiria encontrar bebida. Planejei tudo, aluguei uma casa em uma chácara abandonada, longe da cidade, comprei mantimentos que durassem uma semana, paguei um táxi para me levar até lá e não levei o celular. Ao entrar na casa, sabia que iria passar o diabo ali dentro até findar a semana. Peguei um livro e uma caixa de bombons e fui ler na varanda. Meu corpo parecia não sentir falta da bebida. O livro estava ótimo, os bombons com gosto bem forte. Peraí, gosto forte? Sem perceber, tinha comprado uma caixa de bombons de rum dinamarquês, de alta gradação alcoólica. Eu até jogaria a caixa fora, mas já havia comido todos. Resolvi ir dormir, mas acho que a casa estava com alguma poeira e comecei a tossir muito, talvez fosse uma reação alérgica. Corri até a despensa da casa e encontrei xarope para tosse, e tomei uma colher. Duas. Três. Virei o vidro todo em um só gole. Surpreso e receoso, olhei a composição química. Não poderia ser. Era marcação comigo. Resolvi sair caminhando a pé pela estrada para espairecer. Era uma estrada deserta e eu caminhava bem no meio da pista. O entardecer era lindo como eu não prestava atenção há tempos. Eu não vi e creio que o motorista do caminhão também não me viu quando dobrou uma curva, e para não me acertar, tombou o veículo a poucos metros de mim. Corri para retirar o homem das ferragens e consegui puxá-lo para um local seguro. Estava inconsciente o pobre homem. Sentado em frente ao veículo acidentado, percebi que era um caminhão de cerveja. Como em uma cena de filme, uma garrafa veio rolando lentamente e parou aos meus pés. Quando os bombeiros chegaram, o caminhão estava vazio. A carga toda tinha desaparecido. E ao invés de ficar uma semana de férias, acabei ficando duas.
Tentei outras táticas ardilosas para me separar da bebida. Ouvi falar que ela deixava os homens broxas. Quem sabe a vergonha diante de uma mulher não me faria parar? Mas não. Depois das maiores bebedeiras acabei tendo os meus melhores desempenhos sexuais. Algumas passaram a me procurar nos botecos trazendo uma garrafa de algo forte. Será que meu amor próprio não ficaria abalado por sair só com mulheres de baixo nível? Que nada, quando comecei a pensar nisso é que percebi a quantidade de universitárias, modelos, estagiárias e tantas mulheres que também procuravam consolo na bebida. E de uma forma ou de outra, sempre acabavam na minha mesa e depois na minha cama.
Um dia resolvi ir para o trabalho completamente embriagado, e levando uma garrafa na mão, para todos verem. Talvez perder o emprego me faria parar. O gerente do meu setor foi avisado. Chegou exatamente quando eu mijava no vaso da recepção que tinha uma velha planta de plástico. Após esperar eu terminar, chacoalhar e me enxugar, me pegou pelos ombros e disse que ele sabia pelo que eu estava passando. A partir daquele momento teria acompanhamento com a psicóloga da empresa e poderia faltar para me curar. Os meus desvios de comportamento seriam tolerados por eu ser uma pessoa doente e deficiente ali dentro, e ninguém estava autorizado a reclamar de mim. Nem mesmo o fariam, pois todos ali me olhavam como se eu fosse a bosta de um exemplo.
Eu já estava ficando sem opções. A minha cartada final foi drástica. Eu estava desesperado. Tive a péssima ideia de me suicidar. Já que eu não conseguia tirar a bebida da minha vida, tiraria a minha vida e com ela a bebida. Preparei tudo com carinho. Liguei para os parentes, me despedi dos amigos, alimentei o gato. Peguei uma faca e fui para o bar. Pedi ao Frank uma dose especial dupla do que ele tivesse de mais forte. Sentado em um canto escuro do bar, depois de virar o líquido que desceu queimando pela garganta, pratiquei o bom e velho harakiri japonês. Enfiei de uma vez a faca em minha barriga. Depois do choque inicial, não senti dor, só as minhas mãos molhadas com o sangue e a minha vista escurecendo lentamente. Fechei os olhos deitado sobre a mesa, olhando o copo vazio me convidando a não abandoná-lo. Acordei em um quarto de hospital. Do meu lado, um homem sorridente de branco me congratulava. A operação havia sido um sucesso. Transplante de fígado. Agora eu tinha um fígado novinho em folha, foi o que disse o médico. Reconheci-o como um dos frequentadores do Bar do Frank.
Foi quando desisti. Parar de beber não era para mim.
Assim que tive alta, voltei ao bar. Pedi uma bebida e fui para o canto em que havia me esfaqueado. Sentei observando o mundo ao redor. Lembro de ter pensado que o universo conspira. Nós é que devemos perceber se contra ou a favor. Foi quando resolvi olhar a minha barriga. Levantei a camisa e olhei os pontos em linha reta. Senti uma mão tocar no meu ombro. A mulher olhava para a minha barriga e depois para mim. Disse que tinha ouvido falar do meu problema com a bebida e que sabia como eu me sentia, que me entendia perfeitamente e queria me apoiar. Sentou-se ao meu lado e disse que tinha o mesmo problema que eu. Só que era com sexo.
kkkkkkk! cara muito bom demais. eu ri todo o tempo! como vc conseguiu tranformar drama em comédia depois tragédia e ainda ter um final feliz?! parabéns, jeff! (Day) genial!
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